Investigado, coronel amigo de Temer o ajudou a melhorar discurso
Denise Guimarães/Folhapress | ||
Sem-terra fizeram pichações contra Michel Temer na Fazenda Esmeralda |
"Se você continuar com esse discurso, não vamos ter cem votos", reclamou o coronel João Baptista Lima Filho ao amigo Michel Temer em 1994, durante campanha do atual presidente a deputado federal por São Paulo.
Lima, aposentado da Polícia Militar paulista, deu a bronca após o então candidato declarar a uma plateia de peões na fazenda Esmeralda, em Duartina (SP), que, se eleito, iria "propugnar pela figura do parlamento alemão do ombudsman e pelo recall legislativo". O público, que foi lá para comer churrasco, não entendeu nada.
Já naquela época, "doutor Temer" era apenas "Michel" para o oficial da PM.
Quem contou a história à Folha, em meio a risadas, foi o próprio coronel Lima, em maio do ano passado. Antes da campanha de 1994, ele havia sido assessor de Temer na Secretaria da Segurança Pública nos governos Franco Montoro (1983-1987) e Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1995).
O Planalto informou que o coronel coordenou todas as campanhas de Temer, desde a primeira, em 1986. "Era sua função auxiliar na parte administrativa, gerenciando a campanha e supervisionando a prestação de contas."
Hoje, Lima é figura-chave nas investigações da Polícia Federal sobre o presidente. Dois executivos da JBS afirmaram, em acordo de delação, que a empresa deu R$ 1 milhão nas mãos de Lima, em 2014, como parte de um suposto acordo feito entre Temer e Joesley Batista.
A fazenda Esmeralda foi comprada por Lima em 1989, dois anos depois de ele obter o registro de arquiteto em São Paulo. Ele e a empresa Argeplan Engenharia, também dona da fazenda, ajudaram a financiar a campanha de Temer em 1994 com R$ 100 mil –cerca de R$ 500 mil em valores corrigidos. Em 2011, o coronel passou a ser oficialmente sócio da Argeplan.
Depois do discurso para os peões, Michel Temer viajou com o coronel de carro e fez comícios na região até chegar ao município de Panorama, a 300 km de distância. Ao fim da jornada, o candidato "já estava com um discurso bom", segundo avaliação do amigo.
Nascido em Bauru (SP), em dezembro de 1942, Lima se mudou para São Paulo ainda na juventude e entrou na PM. Ao concluir a academia, conforme contou, passou num vestibular para odontologia, mas ouviu de um capitão que não ia aguentar "ficar numa sala mexendo na boca de ninguém" e desistiu da carreira.
Na PM, tornou-se comandante do serviço de engenharia. Era bem-visto por outros oficiais que o conheceram à época. Eles o descreveram como um sujeito bem-humorado. No período, atuou em campanhas políticas.
Hoje, não é mais influente na corporação e é desconhecido entre oficiais mais jovens.
Acabou como assessor da Secretaria da Segurança no governo Franco Montoro, onde trabalhou com outros dois secretários antes de virar funcionário de Temer.
Lima disse à reportagem que, nesse período, além de exercer suas funções na corporação, vivia para os estudos. "O 'Limão' estava solteiro, o que é que ia fazer? Eu não sou um homem da noite, de fumo, de bebida, dessa coisa toda. Eu aproveitava meu tempo para ir à escola", contou.
Casou-se com a também arquiteta Maria Rita Fratezi, que disse ter conhecido em um curso de pós-graduação em arquitetura da USP. No entanto, a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) afirma que nenhum dos dois estudou na instituição, seja na graduação ou na pós.
Na internet, Fratezi compartilha fotos de animais e, à época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, mensagens contra a petista e seu antecessor, Lula –cujas gestões chama de "suplício".
O casal não tem filhos. "Na hora que o 'Limão' baixar na sepultura, não vai ter ninguém pedindo teste de DNA", brincou o coronel.
Lima disse que, em 1993, "quando bateu 30 anos de serviço", foi ao governador e pediu para sair da corporação. Atualmente, recebe R$ 24 mil por mês.
Em 2000, comprou um dúplex de 446 metros quadrados com seis vagas na garagem na região do Morumbi. O valor venal é de R$ 3,3 milhões, mas estima-se que no mercado custe mais de R$ 5 milhões.
Ao falar com a Folha, no ano passado, o coronel disse que precisaria organizar seus impostos de renda para saber como adquiriu a propriedade.
Reprodução | ||
João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, amigo de Temer e citado em investigações |
CORONELISMO
Um jornal de 1996, da cidade de Garça, vizinha a Duartina, destacava como manchete: "Coronelismo ainda existe na região de Garça".
O texto dizia que Lima fechou estradas municipais com porteiras e afirmava que ele "manda e desmanda" na região porque é "tido como poderoso e amigo de políticos poderosos".
Além da campanha de 1994, a fazenda Esmeralda serviu de refúgio para Temer em outras ocasiões. Em maio de 2016, o MST invadiu o local e afirmou que Lima era "laranja" de Temer. O Planalto afirma que o presidente não tem propriedades rurais.
O coronel também falou que as acusações de ser "laranja" eram boatos de um "sujeito de língua comprida igual língua de dragão". "Ele frequentava boteco, quermesse, e aí começou: 'Essa fazenda é do Michel'".
Depois da ação do MST, Lima entrou com queixa-crime contra a entidade por calúnia e difamação e a denunciou como "organização criminosa".
Não foi o único transtorno a que Lima reagiu com processos. Em 1999, processou a United Airlines depois de ter as malas extraviadas ao voltar de Miami. Seis anos depois, processou uma agência de viagens pelo mesmo motivo e outros "inúmeros dissabores", segundo decisão do juiz –daquela vez, viajou com a família do dono da empreiteira Construbase, Vanderlei de Natale, também amigo de Temer. Natale emprestou um helicóptero para o então vice-presidente viajar a Tietê (SP), sua cidade natal, em 2014.
Lima foi internado num hospital de São Paulo com suspeita de câncer, onde ficou até o último dia 23.
Procurados nas últimas semanas, ele e seu advogado não falaram à Folha.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade