Coletivos se unem para utilizar as ruas de SP e enfrentam prefeitura
As ruas de São Paulo são para dançar, diz o lema do festival BaixoCentro. Também servem para piquenique, segundo o Movimento Boa Praça. E para desfilar, de acordo com os blocos e cordões do Manifesto Carnavalista.
Em comum, todos esses grupos paulistanos buscam ocupar as ruas de uma cidade em que as áreas públicas são disputadas no tapa. Há duas semanas, o debate esquentou após vídeo de bate-boca entre skatistas e guardas-civis metropolitanos na praça Roosevelt, na região central.
No local também germinou, no fim de 2012, o movimento Existe Amor em SP, reunião de cerca de 30 coletivos de agitadores culturais que propõem a democratização do espaço público.
"Tudo surgiu a partir de uma conversa sobre São Paulo ser conservadora e machista. Tudo muito duro e cinza", conta Caiubi Mani, 24, produtor da rede Fora do Eixo, que integra o movimento. Em breve, o Existe Amor em SP deve publicar na internet o "Livro de Receitas de Ocupações no Espaço Público", com links de referência sobre intervenções urbanas.
"É importante socializar informações para ter cada vez mais gente preparada para essa disputa pela cidade que queremos", afirma Felipe Altenfelder, 27, também da Fora do Eixo.
Para o dia 25, aniversário de São Paulo, eles planejam uma ação no vale do Anhangabaú, na região central, com programação ainda não definida, mas paralela à da prefeitura. O público deve encontrar ali projeções e grafites, além de shows e rodas de conversas.
ESPAÇO NEGOCIADO
Coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, o antropólogo José Guilherme Magnani encara como "positiva" a presença desses grupos. "Eles estão reaprendendo a reivindicar o uso do espaço", afirma. "Mas, como o espaço é de todos, o uso tem de ser negociado. E o que não se sabe fazer é negociá-lo", ressalva, citando o embate ocorrido na Roosevelt.
Na zona oeste, o palco da disputa é a praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiros, mais conhecida como Pôr do Sol. Ponto de encontro no Alto de Pinheiros, em 24 de novembro o local sediou o Experimenta SP, com oficinas organizadas pelo movimento SampaPé!, que promove passeios culturais.
A festa não agradou à associação de moradores Avisol, criada no fim de 2012. "A praça não comporta eventos com muitas pessoas", diz o administrador Guilherme Leite, 38, presidente da entidade, que reclama do barulho, da sujeira e da presença de ambulantes e guardadores de carros. "A porta de casa fica uma nojeira."
A associação debate se deve pedir para que a praça seja transformada em parque, cercada e fechada à noite. "Vem muita gente de fora e você vê pela aparência e pelo comportamento que vêm fazer coisa errada", diz Leite.
'ESPÍRITO DA ÉPOCA'
No último domingo, um grupo se apertava embaixo de duas tendas para fugir da chuva na praça Zumbi dos Palmares, na Vila Nova Cachoeirinha (zona norte). Era a sétima edição da festa de reggae OcupaSound.
Apesar de não estar ligada a outros movimentos, essa parceria de coletivos de música também quer realizar suas festas nas ruas. A ideia é estar em lugares afastados da região central.
"Sempre tem alguém do nosso grupo que mora em um dos bairros e fala com os moradores e comerciantes do local", conta a cantora Lioness Laylah, 29. "Queremos proporcionar um convívio e curtir o dia sem gastar grana."
Para o galerista Baixo Ribeiro, 49, da Choque Cultural, a ideia de ocupar as ruas com arte e engajamento social faz parte do "espírito da época". "O mundo todo está num momento de rediscutir o espaço público", diz ele, que integra o Existe Amor em SP.
"O paulistano está começando a perceber que pode se apoderar da cidade, diferentemente de outras gerações", afirma a médica Thais Mauad, 49, do Movimento Boa Praça. O grupo foi um dos pioneiros na ocupação desses locais, em 2009, e hoje organiza piquenique em praças da zona oeste.
Em 2012, por meio de um edital da prefeitura, o movimento fez uma pesquisa com 300 frequentadores da praça Amadeu Decome, Vila Romana, na zona oeste, para saber o que os levaria a frequentar ainda mais o local. Mais bancos e mais segurança foram as principais respostas.
COM OU SEM A PREFEITURA
Chamar a atenção do poder público é o que buscam os 22 grupos que assinaram o Manifesto Carnavalista. Os blocos se queixam das dificuldades de desfilar pelas ruas. "Queremos informar os órgãos sobre os eventos e fazê-los, e não mais bater à porta das subprefeituras e não sermos atendidos", diz Lígia Fernandes, 32, do Kolombolo, um dos blocos signatários.
Sem autorização, os blocos correm o risco de ser multados. "No ano passado, o carro de som ficou parado, atrapalhou o trânsito e tivemos de encerrar no meio", conta Lígia.
Em São Paulo, qualquer evento em local público para mais de 250 pessoas necessita de autorização, solicitada à subprefeitura da região 30 dias antes. Caso ocorra um evento não autorizado, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) poderá cobrar uma multa dos organizadores pelos custos que tiver de arcar com operações no trânsito mais 50% sobre esse valor.
Há grupos que preferem não contar com a prefeitura. O BaixoCentro tem por princípio não pedir autorização. Em março, o coletivo organizou um evento com 40 atrações no Minhocão. "No começo, enfrentamos falhas e reclamações de moradores", conta a produtora Evelyn Gomes, 25.
"Depois, passamos a levar sacos de lixo e fizemos parceria com uma cooperativa. Em junho, quando fizemos uma festa junina, os moradores ajudaram na decoração e colocaram placas dizendo para voltarmos sempre."
Para reunir gente, é nas redes sociais que esses grupos se articulam. No Existe Amor em SP, quem não vai às reuniões acompanha os vídeos ao vivo pela web ou retoma a discussão após as atas que são enviadas por e-mail.
Quando não pode ir do Grajaú, na zona sul, ao centro, o produtor cultural Warley Alves, 20, participa das discussões por meio de vídeos e chats. Em dezembro, ele convenceu a organização do evento Preliminares, de encontros sobre comunicação e ocupações, a levar música, saraus e oficinas sobre reciclagem e direito penal a uma praça de seu bairro. "Por aqui, algumas praças ficam desertas, outras viram pontos de drogas e quase nenhuma tem atividades culturais", conta Warley, que criou um grupo no Facebook com outros 15 moradores que querem melhorias para a região.
"A rua é a primeira plataforma para a comunicação, a mais simples e barata", diz o urbanista Valter Caldana, da Universidade Mackenzie. "Já passou o tempo de a prefeitura só proibir o seu uso ou de os grupos só fazerem o que querem nela", completa. Para ele, a discussão pela ocupação das ruas deve buscar um ponto de equilíbrio.
Ilustração Sandra Javera | ||
PRÓXIMOS EVENTOS
Aniversário de São Paulo (25/1)
Diversos coletivos propõem intervenções como bate-papos e shows no Anhangabaú
Piquenique na praça
Todo último domingo do mês, o Boa Praça faz piqueniques em praças da região oeste. Informações em boapraca.ning.com
Desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta
No dia 3/2, às 14h, o bloco carnavalesco sai pela r. Augusta rumo à pça. Roosevelt
Congresso de coletivos
Entre o fim de março e o início de abril, coletivos nacionais e estrangeiros devem discutir comunicação e ocupação
Festival BaixoCentro
De 5/4 a 14/4, as ruas do centro devem ser ocupadas com música, teatro e oficinas