IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nesta quinta, 25, paulistanos vão passear em frente ao Hospital das Clínicas. Na avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, acesso a vários institutos do complexo hospitalar, o fluxo de veículos está restrito às ambulâncias.
Parte da rua é usada como ampliação da calçada, e as vagas de estacionamento viram áreas de convívio e lazer.

E como as pessoas chegam ao hospital? Mais rápido, acreditam os organizadores do evento, chamado "Maratona diária pela vida".

O trânsito prejudica tanto a circulação das pessoas quanto o acesso das ambulâncias, e o objetivo do evento é mostrar que colocar o pedestre como protagonista da cidade é o caminho para melhorar a mobilidade urbana.

"Mobilidade não é questão de trânsito, é a forma de usar o espaço público. Alguns usam carro particular, outros, transporte público, mas todo mundo é pedestre em algum momento", diz Luiza de Andrada e Silva, diretora do instituto Cidade em Movimento.

O instituto é um dos organizadores do evento, ao lado das start-ups Caronetas (idealizadora da Virada da Mobilidade) e Urbi-i, Hospital das Clínicas e USP.

Projetos como este servem para envolver a sociedade civil e sensibilizar autoridades sobre a importância de colocar o pedestre no centro da discussão sobre mobilidade.

"Há cerca de 15 anos nos demos conta de que os seres humanos estão no centro da cidade, e não essas pequenas ou grandes 'caixas motorizadas'", diz a urbanista australiana Skye Duncan. Ela é diretora da Global Designing Cities Initiative, da fundação Bloomberg. Sediada em Nova York, ela desenvolve projetos em cidades como Adis Abeba (Etiópia) Bogotá (Colômbia) e São Paulo.

HIERARQUIA

"Andar é uma das primeiras coisas que aprendemos e é um dos direitos humanos básicos, mas vemos muitas pessoas que mal conseguem chegar à escola ou ao trabalho. Isso acontece porque cidades foram se desenhando tendo o carro como prioridade. Precisamos mudar esta hierarquia", afirma Duncan.

Para isso acontecer, há quatro passos fundamentais, segundo a urbanista: entender o que não está funcionando no planejamento e na regulamentação urbana para atualizar políticas públicas e legislação; capacitar pessoas para pensar e implementar novas formas de mobilidade; implementar projetos e levantar dados estatísticos.

"Nos últimos anos, medimos o número de carros nas ruas. Precisamos agora contar o número de pessoas e levantar dados sobre os impactos das mudanças para convencer o poder público e a sociedade", diz.

Os defensores da mobilidade ativa (a de pedestres e ciclistas) também querem mostrar que não são "inimigos dos carros". "O problema não é o meio de transporte, mas a forma como é usado", diz a urbanista Irene Quintáns.

Nascida na Espanha e moradora de São Paulo desde 2011, Quintáns é consultora do Urban95, projeto da Fundação Bernard van Leer para apoiar e implementar iniciativas urbanas voltadas ao desenvolvimento da primeira infância -95 centímetros é a altura média de uma criança de três anos.

Pensar a mobilidade deste ponto de vista é a forma mais inclusiva de tratar o problema, segundo Quintáns.

"Se uma grávida levando um filho de três anos no carrinho se desloca com segurança e facilidade pela cidade, é porque está garantida a mobilidade ativa de qualquer grupo da população, incluindo os mais frágeis, como crianças, idosos e deficientes."

A própria indústria automotiva está repensando seu papel. "Há uma transição da economia de posse para a de acesso. O futuro é o fabricante deixar de ser automotivo para se tornar indústria da mobilidade", diz o designer Mateus Silveira. Ele é o gestor do projeto "O Futuro da Cidade", iniciativa da Fiat para entender as mudanças urbanas e o papel da indústria.

Garantir os direitos coletivos e a segurança da maioria da população é objetivo do Estatuto do Pedestre, sancionado em junho de 2017 pela Prefeitura de São Paulo.

"Um terço da população circula exclusivamente a pé, mas é invisível, já que quase não há legislação, planejamento e infraestrutura para garantir o deslocamento dessas pessoas", diz o vereador Police Neto, autor do projeto.

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