Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).
A economia do sexo
Acho os meandros do sexo um dos grandes mistérios da sociedade japonesa. Nunca compreendi os caminhos que um casal japonês percorre da formalidade do primeiro contato à espontaneidade da intimidade física.
No Japão, as relações interpessoais obedecem a códigos tão rígidos, que parecem não ter qualquer possibilidade de acabar em sexo. Claro que muitas acabam. Eu é que não fico sabendo.
A vida sexual dos japoneses tem sido objeto da curiosidade internacional. O jornal inglês "The Guardian" publicou matéria sobre o desinteresse erótico da população local, e a BBC exibiu um documentário cujo título se autoexplica: "No sex please, we're Japanese" ("Sem sexo, por favor; somos japoneses").
Para consubstanciar suas alegações, citam estatísticas segundo as quais, por exemplo, cerca de 45% das mulheres e 25% dos homens entre 16 e 24 anos de idade se declaram desinteressados em sexo.
Parece simplista atribuir aos japoneses, de forma genérica, falta de interesse sexual. Afinal, a indústria da pornografia no Japão movimenta bilhões de dólares, e a arte erótica japonesa remonta, pelo menos, ao século 14. Ou seja, interesse por sexo há.
Mas o que os japoneses parecem querer é sexo autossuficiente, que dê prazer sem impor as dificuldades de um relacionamento amoroso. Algo com hora para começar e acabar. Casar para quê? Para perder a liberdade e a autonomia?
Para muitas mulheres japonesas, casar e ter filhos equivale a reduzir-se à dependência econômica do marido. Cerca de 70% deixam o trabalho ao se tornarem mães. Para os homens, por sua vez, casar e ter filhos representa a obrigação de sustentar, sozinho, toda uma família. Na ponta do lápis, tais opções não parecem vantajosas para ninguém.
O vazio emocional é preenchido por hobbies, mundo virtual, animais domésticos. Não é à toa que o país é um dos grandes mercados mundiais de produtos para pets.
O vazio demográfico, no entanto, é mais difícil de compensar.
Desde o último censo, em 2010, a população japonesa reduziu-se em mais de um milhão. Nesse ritmo, até 2060, o Japão perderá um terço de seus habitantes. A relação entre a diminuição no número de casamentos e redução populacional é mais visível no Japão porque, tradicionalmente, os japoneses se casam para ter filhos. Enquanto na Inglaterra cerca de 50% das crianças nascem fora do casamento, no Japão são apenas 3% .
As consequências desse fenômeno demográfico podem ser catastróficas para a economia. O governo japonês está atento. No entanto, influenciar por meio de políticas públicas uma decisão tão pessoal quanto ter um filho não é fácil, sobretudo diante dos potenciais custos econômicos e sociais envolvidos.
Esse problema não é exclusivo do Japão. Acontece o mesmo no Brasil, só que em ritmo mais lento. Parece óbvio que se a maternidade e a paternidade impõem um ônus muito alto, uma parcela da população para de se reproduzir.
Portanto, a sociedade tem de incentivar quem se dispõe a dar-lhe essa contribuição. Toda vez que encontrar uma grávida, agradeça o esforço!
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Comentários
Ver todos os comentários (4)Véio do Sul
23/11/2013 17h17 DenunciarVéio do Sul
23/11/2013 17h16 DenunciarHoje em dia raramente se encontra uma pessoa desinformada sobre os limites do sexo. Aliás há muitos "doutores" sobre o tema. O desafio é ser feliz, mas com respeito à vida, que não pediu para nascer. Conheci vários japoneses e de fato a minoria tem uma vida debochada em relação a sexo, o que me leva a concluir que eles são de fato diferentes.
Dewey
23/11/2013 15h08 DenunciarPesquisas sobre temas tão pessoais como a vida sexual têm que ser encaradas com o pé atrás. Geralmente as pessoas respondem o que o entrevistador quer ouvir e fazem afirmações politicamente corretas. A verdade só aparece depois de muita conversa, após as pessoas se sentirem confortáveis.
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O desafio é ser feliz, mas com responsabilidade, algo nem sempre encontrado sobre esse tema.