Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).
Herói ou traidor?
Edward Snowden nasceu na Carolina do Norte. Completou 30 anos em junho e é especialista em computadores. Por conta de seu trabalho, teve acesso a informações sobre programas secretos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA).
Por considerar que alguns desses programas violariam a Constituição americana, decidiu vazar para a imprensa 1,7 milhão de documentos relativos a ações de espionagem e coleta de dados, supostamente irregulares, realizadas pelos Estados Unidos em todo o mundo.
Snowden hoje mora na Rússia, que lhe concedeu asilo temporário. É considerado fugitivo por Washington, e seu passaporte foi cancelado. Se voltar aos Estados Unidos, poderá ser condenado à prisão perpétua.
Dois juízes federais americanos já consideraram que programas da NSA que ele denunciou violam a Constituição. Um painel independente convocado pelo presidente Obama criticou os programas de segurança e sugeriu alterações.
A legalidade dos programas deverá ser decidida pela Suprema Corte. Se esta os declarar inconstitucionais, condenar Snowden equivaleria a considerar criminosa uma pessoa porque ela denunciou um crime.
A maior parte da população americana ainda acha que Snowden é um traidor. No entanto, número crescente de pessoas parece valorizar o alcance de suas ações e passa a vê-lo como herói.
Nesta semana, o "New York Times" afirmou em editorial que Snowden "prestou um grande serviço" aos EUA. O britânico "Guardian" também lhe teceu elogios. Ambos defendem que Obama conceda "clemência" e não lhe imponha qualquer sanção severa.
Snowden merece a clemência de Obama porque é errado que um governo possa impor sigilo sobre ilegalidades cometidas por esse próprio governo.
Domesticamente, nos EUA, Snowden terá sido a primeira pessoa a indicar que o governo poderia estar utilizando métodos antiéticos, intrusivos e potencialmente ilegais contra cidadãos. Ele agiu como uma espécie de Ministério Público informal, honrando e defendendo os melhores valores de seu país.
Internacionalmente, a contribuição de Snowden foi abrir os olhos da comunidade mundial para a necessidade de um regime global de proteção do direito à privacidade. Sem ele, a resolução sobre o tema, adotada pela ONU em sua última Assembleia-Geral, talvez ainda levasse anos para ser aprovada.
Snowden já acenou a bandeira branca: declarou ao "Washington Post" que sua missão estava cumprida e que sua intenção havia sido, simplesmente, informar o público americano e estimular o debate sobre a questão.
Seria ótimo que o governo Obama fizesse gesto apaziguador semelhante –em relação a Snowden e a toda a comunidade internacional que sua política de segurança melindrou. Sem constituir um mea culpa formal, a clemência do presidente seria um ato gracioso de penitência, adequado a um governo que parece, sim, ter ferido a lei e a ética, dentro e fora de suas fronteiras.
ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor.
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Comentários
Ver todos os comentários (4)cacá
04/01/2014 20h08 Denunciarnunes
04/01/2014 14h31 DenunciarGuardadas as devidas proporções, o casal Rosemberg foi executado por traição.
Celito Medeiros
04/01/2014 13h52 DenunciarTeria sido Herói se pedisse uma audiência com seu superior máximo e colocasse seu ponto de vista à análise do órgão ao qual prestava serviços. No mínimo esta seria a primeira ação lógica e correta.Em não sendo atendido, ele poderia ter pedido primeiro a sua demissão.Depois, começar uma luta contra a "Espionagem" na Web, pois a espionagem maior, direta (e que tudo vê), que nem todos os presidentes conhecem, ele também parece desconhecer!Mas existe!
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Como os EE.UU. vivem sob ameaça, até dos frustrados do mundo todo, têm o direito de ter um adequado sistema de espionagem. Nesse caso pode ter havido excesso de zelo. Todos os países se espionam e só não o faz aquele que não tem condição. Quanto ao moço, havia outros meios de se rebelar que não acarretasse prejuizo a sua pátria. Não é herói e deve ser julgado conforme a extensão de seu ato.