Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).
Ataque ao Brasil
Países mantêm relações cordiais, trabalham juntos e cooperam entre si, mas não se enganem: no cenário internacional, ninguém é bonzinho. Os interesses nacionais prevalecem. Todos buscam vantagem.
É como num concurso de miss. As candidatas parecem amigas. Sorriem umas para as outras, tiram fotos e ensaiam coreografias juntas, mas o que cada uma quer mesmo é ganhar a competição.
Nesse tipo de ambiente competitivo, é contraproducente exibir vulnerabilidades, porque elas serão usadas contra você. O raciocínio é básico, mas o governo parece não entender, e o que faz o Itamaraty em termos orçamentários é exemplo claro desse desentendimento.
O Itamaraty opera em 150 países; por isso, 90% do seu orçamento, embora calculados em reais, são gastos no exterior, para pagar despesas em dólares.
Sergio Lima - 9.dez.2009/Folhapress | ||
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Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério da Relações Exteriores |
Quando o dólar aumenta, o orçamento em reais do Itamaraty deveria aumentar, porque, afinal, suas obrigações, em dólares, continuam as mesmas. É como quando você compra um pacote de viagem em dólares, e o dólar aumenta.
Ainda que essa questão pudesse ser resolvida com crédito suplementar ou gatilho cambial, o governo federal tem preferido ignorá-la, e várias repartições brasileiras mundo afora, à falta de recursos, têm sido objeto de cobrança por parte de parceiros e fornecedores.
É como se as dificuldades orçamentárias impostas ao Itamaraty não trouxessem prejuízo nenhum ao país. Só que trazem.
Recentemente, o jornal argentino "La Nación" publicou reportagem grande na edição de domingo sobre as dificuldades do governo brasileiro em pagar o papel higiênico e o aquecimento de suas embaixadas.
Também recentemente, a Embaixada em Washington não pode pegar o ministro Levy, que chegava à cidade, porque não recebera recursos para o seguro obrigatório dos veículos oficiais.
Se o problema se resumisse ao táxi que o ministro X ou Y teve de tomar, tudo bem, mas o Itamaraty faz mais que isso.
Quando o seguro obrigatório dos carros foi suspenso, foram igualmente suspensos a assistência consular itinerante a brasileiros necessitados e o atendimento a emergências de imigração, polícia e presídios.
Para manter relações cordiais com os outros países, o mínimo que o Brasil tem de fazer é pagar suas contas em dia. Ninguém gosta de caloteiro. Além disso, se a embaixada é caloteira, todo o Brasil é caloteiro. Eu e você nos tornamos caloteiros.
Para economizar alguns tostões, o governo, num desatino administrativo, humilha toda a nacionalidade. Hoje, quem sofre é o diplomata que recebe ameaça de despejo. No futuro, quem vai sofrer é você.
Independentemente de quem esteja no governo, o Itamaraty é um instrumento do Estado brasileiro e precisa ser preservado. O ataque orçamentário que ele sofre é um ataque ao Brasil.
O prejuízo econômico e político dessa irresponsabilidade ultrapassa em muito os mínimos recursos de que ele necessita para funcionar e representar o país com dignidade.
Qual é a vantagem de economizar menos de 1% do orçamento nacional –que é a parcela total do Itamaraty no Orçamento da União– quando essa economia tem o enorme custo indireto de enlamear o nome do Brasil na opinião pública mundial?
Compensa? É óbvio que não. Quer que eu desenhe?
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Comentários
Ver todos os comentários (2)Piruá
01/09/2015 16h16 Denunciarhelena
01/09/2015 13h04 DenunciarOi, Alexandre, não é só o diplomata que está sofrendo as consequências dos seguidos cortes orçamentários e o descaso com o Itamaraty, mas todos os servidores do Serviço Exterior Brasileiro, a saber, assistentes de chancelaria, diplomatas e oficiais de chancelaria, além dos servidores PCC e PGPE. O Itamaraty vai além dos diplomatas, pois o quadro é mais amplo e torna o problema, que você ressaltou tão bem, mais complexo.
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Sou avesso a elogios, especialmente a colunistas da Folha que nesses tempos têm trabalhado muito mais para a maquiagem dos mal fei tos e mal ver sa ções do go ver no do que que para mostrar caminhos e soluções. Muitos cobram isso de quem comenta enquanto a obrigação é dos formadores de opinião que detém o espaço jornalístico, entretanto análise como a do senhor Vital Porto nessa oportunidade mostra o prejuízo que causa à nação a ignomínia que é ser mau pagador.. Perfeito e esclarecedor.