É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O Chile acomodou-se na estabilidade e dá uma aula de diálogo ao Brasil
Esteban Felix - 17.dez.2017/Associated Press | ||
Apoiadores de Sebastián Piñera comemoram a vitória dele nas eleições presidenciais no Chile |
O dado que melhor explica os resultados da eleição presidencial chilena deste domingo (17) talvez seja este: a classe média aumentou de 23,7% dos chilenos, em 1990, para 64,3% em 2015 –quase triplicou, portanto.
É o resultado da democracia (restaurada exatamente em 1990, depois dos 15 infames anos de Augusto Pinochet), da estabilidade que ela proporcionou, do redirecionamento do gasto público para a área social, sem descuidar do relativo equilíbrio das contas, e do crescimento econômico.
O que tem isso a ver com o resultado eleitoral, que devolveu o centro-direitista Sebastián Piñera ao Palácio de la Moneda, sede do governo?
Minha hipótese: a classe média aumentada prefere o jogo que conhece, porque, como assinala o estudo do Instituto Liberdade e Desenvolvimento, acima citado, "parte substancial desses setores sociais (médios) pode involuir novamente para a pobreza, dado que uma porção importante desse grupo se situa muito perto da chamada faixa de vulnerabilidade".
Posto em termos nada científicos: não façam onda que a água pode chegar até a boca.
Explica-se, assim, porque os chilenos preferem trocar Michelle Bachelet por Piñera, para voltar depois a Bachelet e, mais uma vez, trocá-la de novo por Piñera. Como no período Piñera a economia cresceu mais do que no segundo tempo de Bachelet, era o turno dele governar.
Troca facilitada, ademais, pelo fato de que, desde o fim da ditadura Pinochet, "o Chile tem desenvolvido uma cultura de acordos entre coalizões marcada pelo consenso, de modo a garantir a governabilidade", como comentou nesta segunda (18) o excelente analista que é Adrián Albala.
Desconfio até que essa busca pelo consenso ajuda a explicar a altíssima abstenção, em torno de 46% tanto no primeiro como no segundo turno: fica a sensação de que o eleitor chileno –agora majoritariamente de classe média– nem se dá ao trabalho de sair de casa para votar porque os candidatos acabam marcando encontro mesmo no centro. É jogo jogado, portanto.
É verdade que, este ano, surgiu, sim, uma novidade, a coligação esquerdista Frente Ampla, que capturou 20% dos votos no primeiro turno. Mas ainda é frágil demais para convencer seus eleitores a votar no centro-esquerdista Alejandro Guillier, ao contrário do que fizeram seus principais líderes, inclusive a candidata presidencial Beatriz Sánchez.
Se houvesse realmente receio de que a direita representasse um perigo, os "frenteamplistas" teriam corrido a votar. Não o fizeram, tanto que a abstenção foi igual no primeiro e no segundo turno.
Mal conhecido o resultado, aliás, Piñera já bateu na tecla do diálogo, ao dizer que lera o programa de governo de seu adversário e encontrara "ali muitas ideias boas, que vamos incorporar".
Mais: "Onde houver diferenças, vamos conversar".
Será que algum dia os brasileiros ouviremos frases semelhantes de governantes recém-eleitos?
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