É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
'Looking' usa nuances contra preconceito
Série com protagonistas gays aborda neuroses e relacionamentos sem recair em caricatura nem ativismo
'Looking' usa nuances contra preconceito
À primeira vista, "Looking", cuja segunda temporada acaba de estrear na HBO, é a versão gay –e menos histérica– de "Girls", o drama cômico sobre jovens adultas se virando em Nova York que a antecede na grade de horários do canal.
Divulgação | ||
Os atores Frankie J. Alvarez (esq.) e Jonathan Groff, em cena da série 'Looking' da HBO |
Não se engane. Apesar das cenas de sexo, a sexualidade e tudo aquilo que dela advém estão no segundo plano deste drama sutil sobre três amigos tentando viver em uma cidade frenética (San Francisco, praticamente um personagem na história) em meio a tantas expectativas e neuroses próprias e alheias.
O personagem central é Patrick (Jonathan Groff, o Kristoff de "Frozen"), sujeito do mais provinciano Colorado que, embora assumidamente gay, tem dificuldades com a sexualidade e os relacionamentos. A procura por namorado, aliás, rende os momentos mais divertidos e os mais tristes da série, cujo título, "buscando" (pelo quê?), remete a uma pergunta frequente nos aplicativos gays de encontros.
Programador de games, meio nerd/meio caipira, Patrick tem como melhores amigos o artista plástico porra-louca Agustín (Frankie Alvarez) e o amargurado Dom (Murray Bartlett), garçom/chef.
Nenhum deles, felizmente, se parece com os gays caricatos que habitam outras séries ou novelas brasileiras. Pelo contrário, seus dramas são universais –o relacionamento de Patrick com o adorável Richie (Raúl Castillo, excelente) tem tantas nuances e aborda com tamanha delicadeza questões de classe, criação e aflições modernas que qualquer pessoa pode se identificar com um dos personagens.
Feita para ser amada após um segundo olhar, "Looking" é daquelas séries com um fiapo de trama em que os personagens te cativam na surdina, ao passar dos episódios.
E, sim, estamos falando da mesma geração, mesmo nicho social e mesmos problemas das moças de "Girls", já em sua quarta temporada –achar um par, um emprego, amadurecer, lidar com pressões.
Mas, sem a prepotência de se apresentar como porta-voz de um grupo (algo que a diretora Lena Dunham declarou pela boca de sua personagem e alter ego logo no início de "Girls"), "Looking" sai da vala comum narcisística onde costumam submergir produções do tipo.
"Não estamos tentando representar a comunidade gay", disse Andrew Haigh, diretor e co-produtor ao lado de Michael Lannan, quando a série foi lançada. "Em vários aspectos, o fato de esses personagens serem gays é a coisa menos interessante a respeito deles."
É um pouco do que Shonda Rhimes faz com suas protagonistas negras e mulheres, encaixando tudo naturalmente até que as atenções se voltem a outros pontos da trama. Nada de ativismo insistente nem de tratar o universo dos personagens como algo supostamente exótico, riscos recorrentes.
Enquanto as histórias de Patrick, Agustín e Dom se mantiverem interessantes e irreprimivelmente humanas, "Looking" pode render muitas temporadas bem-sucedidas.
"Looking" é exibida pela HBO às 23h30 de domingo
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