Militante por natureza
Moldado por fortes experiências de vida, agrônomo usa a certificação para germinar florestas sustentávei
"Na verdade, posso dizer que não sou o cara que tem mil ideias. Sou apenas aquele que tem capacidade para enxergar algumas oportunidades e fazê-las acontecer."
O jeito simples como se autodefine e o sotaque caipira contrastam com a intensidade com que Luís Fernando Guedes Pinto, 41, atua como engenheiro agrônomo, empreendedor, professor e pai.
Desde a infância em Brasília, ele surpreende, seja pelo altruísmo, seja pelo propósito com que realiza suas ações
Um retrato dessa fase, em que brincou muito na rua, foi a reação após ter tomado rasteira por trás e batido o rosto no chão, o que resultou em dente quebrado, inflamação e até cirurgia. Em vez de mágoa e briga, o caso fez com que fortalecesse a amizade com quem o derrubou.
E foram eventos fortes como esse que moldaram o engenheiro agrônomo. Dois deles não lhe saem da cabeça devido à tensão experimentada e ao risco a sua saúde. O primeiro está ligado aos atentados do 11 de Setembro.
Casado havia três anos com a engenheira agrônoma Simone e pai do então recém-nascido Eduardo, Luís estava com a família na Indonésia, onde cursava pós-graduação. Eles moravam numa comunidade muçulmana carente, o que os deixou num turbilhão de hostilidades resultantes da queda das torres gêmeas.
"Havia discriminação por vivermos entre muçulmanos e, por parecermos ocidentais, hostilidades de simpatizantes de muçulmanos. Mas lá aprendi que pobreza não é sinônimo de violência."
profissão em risco
Após os eventos na Ásia, Luís viu ameaçada até sua profissão. Isso porque, durante trabalho social no Pontal do Paranapanema (SP), ele contraiu leishmaniose, doença crônica cutânea que chega a afetar coração e rins."Quase morri. É duro o tratamento, são remédios com metal, ferro, coisa forte. Ainda tenho marcas no corpo."
"Quase morri. É duro o tratamento, são remédios com metal, ferro, coisa forte. Ainda tenho marcas no corpo."
Mesmo assim, a experiência no Pontal marcou Luís mais pela chance de "ajudar o próximo" do que pelo risco de voltar a contrair outra doença em locais como a mata, a caatinga ou o cerrado.
A forma abnegada como avalia cada situação revela muito do que absorveu dos pais. Também engenheiro agrônomo, o pai o ensinou a entender o "setor público", o "trabalhar para o coletivo". A mãe, socióloga, incutiu nele a paixão pelo contato com a natureza ao ver o pôr do sol.
Luís, a seu jeito, seguiu essas influências. Como o pai, formou-se na Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), onde foi apelidado de Pakinha (referência a um grilo) e conheceu Simone, mãe de seus filhos.
Simone, aliás, é a maior testemunha das escolhas do marido. "Sou suspeita para falar, mas o Luís se destaca por ser muito coerente."
Tanta insistência em "trabalhar com a natureza e o social" o fez tomar decisões que o levaram ao Imaflora.
Em primeiro lugar, abriu mão da segurança financeira ao recusar cargo em multinacional na qual fora aprovado em concurso acirrado.
Depois, deixou o funcionalismo público de Campinas (SP) por crer que a máquina governamental o afastava da missão pessoal.
Mas, no Imaflora, expôs seu potencial. Tanto que até fez mudar o nome da ONG, que era Imaflor e foi rebatizada após Luís desenvolver todo o caminho para a certificação agrícola.
Para isso, atuou como militante, seguiu cadeias de produção, educou desde fazendeiros até comunidades inteiras, conviveu com índios e trabalhadores rurais, assimilou críticas, usou terno pela primeira vez e até sofreu ameaças.
Tudo para tornar a certificação acessível ao número máximo de pessoas -atinge mais de 80 mil trabalhadores.
Entre seus feitos, Luís se orgulha de estar na rotina da mulher e dos filhos, Eduardo, 12, e Alexandre, 9, de levá-los para brincar nas ruas de Piracicaba (SP), de exigir atenção a horários, além de surfar, tocar bateria e repassar sua expertise como professor.
"Por querer levar sustentabilidade a todo lugar que vou, sei que remo contra a maré. Mas o bom é que aprendi a não desistir nunca", diz.
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Pela natureza de sua atuação, com foco em certificação socioambiental, o Imaflora trabalha em diferentes contextos, influindo direta ou indiretamente em conservação dos recursos naturais, proteção das florestas, produção agrícola sustentável e melhoria da vida de trabalhadores rurais, tradicionais, indígenas e urbanos -portanto em um cenário amplo, ainda que em eixos transversais e inter-relacionados pela vertente ambiental.
Segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) anunciados em março de 2010, o Brasil reduziu a área líquida desmatada em 20 anos, mas continua líder no ranking, seguido por Indonésia e Austrália. Cerca de 4 milhões de hectares são perdidos anualmente na América do Sul.
Há três importantes fatores responsáveis pelo desflorestamento no Brasil: as madeireiras, a pecuária e o cultivo da soja. No Brasil, os Estados mais atingidos pelo desflorestamento são Pará e Mato Grosso. A média de madeira movimentada na Amazônia -de acordo com um relatório divulgado pelo governo federal em agosto de 2006- é de aproximadamente 40 milhões de m³, incluindo madeira serrada, carvão e lenha. Desse total, apenas 9 milhões de m³ vieram de manejo florestal (previamente autorizado).
O relatório IDS 2012 (Indicadores de Desenvolvimento Sustentável), lançado pelo IBGE na Rio+20, aponta que uma das principais ameaças aos ecossistemas brasileiros vem das queimadas e dos incêndios florestais.
A partir de 2004 observa-se uma tendência de queda no desflorestamento da Amazônia como um todo, com oscilações em alguns Estados -a área desflorestada por ano caiu de mais de 25.000 km² para menos de 10.000 km² atualmente. Apesar dessa redução, a área desflorestada se aproxima hoje dos 20% da área florestal original da Amazônia.
A situação nos biomas extra-amazônicos não é menos crítica: de acordo com o IBGE, da Mata Atlântica restavam em 2010 12% de uma área total de 128.898.972 ha; os 113.923.019 desmatados foram substituídos por áreas agrícolas, pastoris e urbanas. Dos demais biomas, o Pampa apresenta o maior percentual de desmatamento: 54% (dados de 2009), seguido pelo Cerrado, com 49%. Na Caatinga, até 2009, eram 46%, cabendo o menor valor relativo ao Pantanal, com 15%.
O IBGE registra crescimento mais lento nas emissões de gases causadores do efeito-estufa. Entretanto, os desmatamentos na Amazônia e as queimadas nos cerrados somam mais de 50% do total de emissões líquidas. A destruição de florestas e vegetação nativa responde por mais de 75% das emissões líquidas de CO2.
A fauna brasileira tem 627 espécies ameaçadas de extinção. Aves, peixes de água doce e insetos são os grupos de maior risco. A flora possui 461 espécies ameaçadas. As espécies arbóreas são as mais vulneráveis, pois, além do desmatamento e das queimadas, o crescimento relativamente lento dificulta a recuperação natural da destruição provocada pela atividade madeireira.
Agricultura e trabalho rural
De acordo com o IDS 2012, o modelo de desenvolvimento da agricultura brasileira, centrado em ganhos de produtividade, tem gerado aumento crescente do uso de fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio) e agrotóxicos -sobretudo herbicidas-, que aumentam a produtividade, mas causam danos ao ambiente e à saúde da população.
Dados do Censo 2010 apontam que a população rural no Brasil equivale a 29,9 milhões de pessoas -cerca de 16% dos 191 milhões de brasileiros. Em 2009, 17,5 milhões de pessoas em idade economicamente ativa viviam na área rural e 90 milhões na urbana.
Estima-se que existam cerca de 5 milhões de trabalhadores rurais assalariados no país, dos quais 3,2 milhões estão em situação de informalidade, o equivalente a 64% do total. O trabalhador informal não tem direito à aposentadoria, ao auxílio-doença, ao 13º salário e ao pagamento de hora extra, entre outros direitos.
A população rural do país, relata o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), encontra-se entre as dez mais miseráveis do mundo. Mais da metade do campo brasileiro é pobre -e metade desses pobres vivem em condições de extrema penúria material e humana, coexistindo com uma das plataformas agrícolas mais diversificadas e competitivas do planeta.
É no campo que se concentra grande parte do trabalho análogo ao escravo no Brasil. Desde 1995, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) resgatou mais de 40 mil trabalhadores em situações degradantes em cerca de 3.200 estabelecimentos fiscalizados. Parte dessa realidade pode ser conhecida em estudo qualitativo realizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Certificação
A certificação socioambiental é um instrumento econômico válido e viável para diferenciar produtos e produtores de acordo com certos valores e critérios, com vistas a superar barreiras não tarifárias vigentes no comércio internacional de mercadorias, obtendo preços adequados com os consumidores mais exigentes, tanto no país como no exterior. Os setores com certificação, além de em tese alcançarem mais facilmente oportunidades de comercialização, contribuem para melhorias no ambiente e na comunidade.
É importante salientar a predominância de diferentes tipos de avaliação de desempenho em relação às avaliações de procedimentos conforme os padrões de cada certificação.
No âmbito florestal, o FSC (Conselho de Manejo Florestal) é o sistema de certificação florestal mais reconhecido e de maior inserção de mercado no mundo. Existem dois tipos de certificação FSC: Manejo Florestal e Cadeia de Custódia.
A certificação em Manejo Florestal garante que a empresa ou a comunidade extraiam os recursos florestais de maneira correta, de acordo com padrões ambientalmente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis. A certificação em Cadeia de Custódia permite a rastreabilidade de produtos de origem florestal, desde a floresta até o consumidor final, e visa garantir ao consumidor que o produto foi fabricado com matéria-prima de floresta certificada ou de origem controlada segundo as normas do FSC.
O FSC não emite certificados, mas estabelece as normas para manejo florestal e cadeia de custódia e define os procedimentos que os organismos de certificação devem seguir em suas avaliações para conceder o uso do selo FSC nos produtos e auditar operações certificadas. No Brasil existem dez certificadoras credenciadas pelo FSC Internacional, entre as quais está a Rainforest Alliance, representada no país pelo Imaflora.
Atualmente, o Brasil possui 6,68 milhões de hectares certificados na modalidade de manejo florestal e envolve 86 operações de manejo, entre áreas de florestas nativas e plantadas. O país ocupa o sexto lugar no ranking total do sistema FSC. Na modalidade de cadeia de custódia, o Brasil conta com aproximadamente 900 certificados, com uma taxa de crescimento de um novo empreendimento certificado a cada dia.
No campo agrícola surgiu uma variedade de programas de certificação e padrões socioambientais voluntários nos últimos 20 anos, como os de produtos orgânicos, aponta a FAO. A maioria das normas tem sido desenvolvida por ONGs, caso do sistema de comércio justo, da norma de Responsabilidade Social SA8000 e da RAS (Rede de Agricultura Sustentável), da qual o candidato é membro fundador, pelo Imaflora, ao lado de outras organizações, como a própria Rainforest Alliance.
Na certificação florestal, o Imaflora é considerado organismo de inspeção, sendo a certificadora a Rainforest Alliance, a quem representa no Brasil. Na chancela agrícola, o instituto é certificador no âmbito da RAS.
DEPOIMENTOS
"O processo de certificação teve início em 2007. Antes, havia muito acidente de trabalho na fazenda. Os funcionários não usavam proteção individual, qualquer um dirigia um trator, não havia sistema de segurança -eles podiam cair na tulha de café e morrer. Agora todos passam por treinamentos especializados para não sofrer acidentes. Todas as casas foram reformadas, implementou-se sistema de esgoto com fossas sépticas. É um investimento muito alto, mas tudo isso agrega valor ao produto final, que é exportado. E também aos funcionários, que, com a certificação, passaram a se dar mais valor."JOÃO CARLOS MELO, 42, técnico em segurança do trabalho da Fazenda Estância Lecy, em Espírito Santo do Pinhal (SP)
"A melhor fazenda para trabalhar é aqui. Se está doente, a gente liga para a enfermagem, que chama o médico se preciso. E se não usar [EPI], tem advertência mesmo. Eles cuidam bem da gente."
JOSÉ CORREIA DA ROCHA, 63, trabalhador rural da Fazenda Estância Lecy, em Espírito Santo do Pinhal (SP)
"As ONGs em geral têm seu público-alvo e falam a linguagem dele. O Imaflora busca uma linguagem comum para atores diversos."
MAURÍCIO DE ALMEIDA VOIVODIC, 33, secretário-executivo do Imaflora
"Eu nasci e cresci no seringal. Sou primo de Chico Mendes. Vi não só a morte do Chico mas a de outros líderes também, mortos covardemente. Até cheguei a ser preso, para defender a terra. A morte do Chico nos garantiu paz, pois o governo nos deu as terras, as áreas de conservação. Mas ainda faltava alguma coisa, pois a gente nunca tinha sido dono do que produzia, nós não sabíamos o preço de nada. Por isso o Imaflora, o Luís Fernando, o manejo florestal e a certificação foram decisivos para nós. Hoje temos outra identidade. Tenho certeza de que Chico estaria sorrindo hoje ao ver seu povo com tantas conquistas que ele sonhou."
ANTONIO TEIXEIRA MENDES (DUDA), 52, seringueiro do Projeto de Assentamento Extrativista Chico Mendes, em Xapuri (AC)
"O mais legal do Imaflora e do Luís é que eles se preocupam com a transparência. Quando chegam aqui, os caboclos brincam e dizem que, às vezes, parece que estão sendo submetidos a uma varredura da Polícia Federal. Mas a gente percebe que eles fazem todo um trabalho educativo, de conservação do meio em que vivemos e produzimos, e buscam elos das comunidades carentes com o mercado. Vejo, sinceramente, o Luís e o Imaflora como parceiros, com atitudes que mostram preocupação com gente."
EVANDRO ARAÚJO DE AQUINO, 32, superintendente da Cooperfloresta, de Rio Branco (AC)
"Em 2001, 95% da madeira do Acre era fruto de desmate. Tínhamos que frear isso e firmar as bases de uma economia florestal, sem dar esmola, porque ela mata ou enche de vergonha. Só conseguimos isso com o Imaflora, que, de forma didática até, implantou uma série de normatizações e conquistou o apoio dos comunitários. E o Luís Fernando foi um dos precursores disso. Ele é um sonhador, pioneiro. Sem ele, jamais conseguiríamos manter a floresta de pé."
Carlos Ovídio Duarte Rocha, secretário de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis, em Rio Branco (AC)
"O Imaflora faz a coisa mais importante que tem para o leigo como eu: estimula a conservar o meio ambiente e a bater de porta em porta pra que outros possam fazer isso também. Ele (Imaflora) faz você ficar chato. Além de tudo, tem esta coisa que promove o ser humano a ser melhor e viver bem."
Ninfa Sampronha Barreiros, 59, aposentada, atua no comitê da Associação de Moradores do Parque 1º de maio/Piracicaba (SP)
"Ele (Luís Fernando) sempre achou que a gente precisava discutir no Imaflora questões que não fossem as questões habituais do fazer e entregar. Sempre achou que isso deveria estar sendo discutido. Toda vez que a gente encaminhava uma questão estratégica, ou discutia um caminho operacional ou fazia a crítica desse caminho, ele queria pensar de novo. A gente queria interferir no dia-a-dia mesmo. Ele queria dizer assim: "O jeito que você está fazendo está tudo certo, mas não dá mais. Eu não sei como fazer isso, mas vamos fazer juntos". Sempre houve essa questão de fazer juntos e aprender a fazer juntos."
Sérgio Esteves, 59, conselheiro do Imaflora e diretor do AMCE Negócios Sustentáveis, de São Paulo