Inteligência/Sylvie Kauffmann
A luta pelo fim da pena de morte
Paris
Quando assumiu o posto de embaixador americano em Paris em 1997, Felix G. Rohatyn achava que o tema mais polêmico que enfrentaria seria a famosa desconfiança dos franceses em relação à "hegemonia americana". No entanto, ele ficou surpreso ao constatar que a questão mais espinhosa era a pena de morte.
A "enorme repulsa dos franceses" pela pena de morte, disse-me ele em 2001, após seu retorno a Nova York, foi esclarecedora, assim como sua amizade com Robert Badinter, o ministro francês da Justiça que, na gestão do presidente François Mitterrand, liderou a luta pela abolição da pena capital em 1981.
"Todos esses protestos diante da embaixada e dos consulados mostraram o quanto as pessoas estavam firmemente engajadas", afirmou Rohatyn. "E acabei concluindo que provavelmente elas tinham razão."
Dois artigos recentes em uma revista francesa e em outra americana demonstram que a questão continua em pauta em Paris e ganhou novo impulso nos Estados Unidos. Houve uma grande mudança nas atitudes americanas em relação à pena capital na última década, e a Europa em parte é responsável por isso.
Em setembro, a revista "Le Monde" publicou uma reportagem sobre o retorno de Badinter à prisão de La Santé em Paris, atualmente fechada para reformas. Lá ele presenciou em 1972 a execução com guilhotina de um dos últimos detentos condenados à morte na França. Como advogado desse homem, Badinter havia tentado desesperadamente adiar essa data. "A sombra da guilhotina se projeta em todos os lugares", observou sombriamente Badinter, hoje com 86 anos.
Do outro lado do Atlântico, a edição de setembro do "Texas Monthly" apresentou um longo perfil de Michelle Lyons, ex-repórter do "Huntsville Item" que passou mais de uma década trabalhando com questões públicas no Departamento de Justiça Criminal do Texas.
Quando a conheci em 2001, ela era uma jornalista de 25 anos que cobria o sistema carcerário do Texas. Eu lhe perguntei sobre as execuções que presenciara, e ela falou sobre o "último espasmo" dos prisioneiros após tomarem a injeção letal.
"Alguns parecem estar tossindo e outros dão um suspiro profundo", relatou.
Fiquei impressionada com a franqueza dessa jovem confrontada com uma realidade tão terrível. Ela era inteligente e aberta e, em troca, não a pressionei demais para que desse suas opiniões sobre a pena de morte.
Com minha mentalidade europeia, imaginei que ela relutaria em se expor, embora não demonstrasse qualquer temor.
Agora mãe e perto dos 40 anos, Lyons saiu do Departamento de Justiça Criminal do Texas. Porém, durante o tempo em que atuou nele, testemunhou 278 execuções. Com sinceridade notável, ela disse ao "Texas Monthly": "Penso nisso o tempo inteiro".
Se Badinter continua assombrado pela guilhotina 42 anos depois de ver uma execução, os europeus não se surpreendem que Lyons tenha conflitos internos após presenciar a morte de 278 detentos. O fato novo é Lyons revelar seus sentimentos e ter repercussão em seu próprio país.
Segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, hoje em dia o apoio à pena de morte nos EUA declinou para 63%, sendo que era de 80% nos anos 1990. Nas últimas três décadas, a opinião pública, ativistas e, por fim, governos da Europa têm pressionado inexoravelmente os poderosos EUA em relação a essa questão.
Até a Comissão Europeia se envolveu em 2011, proibindo a exportação de oito drogas que compõem a injeção letal usada nos departamentos carcerários estaduais. Adotado em 2012, o "Plano de Ação para Direitos Humanos e Democracia" da União Europeia tem como prioridade a luta contra a pena de morte.
A pena capital ainda vigora em 32 Estados americanos, mas a tendência é clara: seis deles aboliram a pena de morte nos últimos seis anos e mais de uma dezena de outros estão cumprindo uma moratória para execuções.
Nos últimos 15 anos, dois fatores foram decisivos para o recuo da pena capital nos EUA. Um é a campanha lançada por admiráveis advogados americanos para provar a inocência de pessoas injustamente condenadas, às vezes recorrendo a exames de DNA. Desde 1973 essa campanha já livrou 146 detentos da morte. O fato de que esses homens poderiam ter sido executados por crimes que não cometeram está perturbando muitos cidadãos americanos.
O outro fator é a escassez de drogas usadas para execução, pois, sob pressão de ativistas europeus, companhias farmacêuticas pararam de vendê-las a Estados onde há pena de morte. Isso tem prejudicado muito o ritmo das execuções.
Alguns Estados começaram a testar outras drogas ou protocolos diferentes, mas nem sempre dão certo. Procedimentos mal feitos -como a execução de Clayton Lockett, em 29 de abril, em Oklahoma, que teve de ser adiada, pois ele se contorceu, teve uma convulsão e tentou se levantar da maca, porém morreu devido a um ataque cardíaco 43 minutos depois- dão novo sentido às "punições cruéis e incomuns" proibidas pela Constituição.
Para ativistas europeus, a persistência cega das engrenagens em torno da pena de morte é incompreensível e apenas reforça sua determinação.
Afinal de contas, a Europa e os EUA supostamente partilham os mesmos valores. "A pena de morte nunca foi condizente com os ideais básicos deste país", declarou Richard Dieter, diretor do Centro de Informações sobre Pena de Morte, em uma reunião recente em Washington.
Ela tampouco condiz com a ideia europeia dos ideais americanos, conforme a União Europeia deixa bem claro em um exemplo do melhor soft power do continente. Sylvie Kauffmann é diretora editorial e ex-editora-chefe do "Le Monde".
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