Crítica
Coetzee cria mundo misterioso e se mostra ainda mais original
Em 2013, J. M. Coetzee lançou um romance vigoroso e estranhíssimo: "A Infância de Jesus". Por trás da prosa límpida de sempre, por trás da localização num misterioso mundo de língua espanhola onde as pessoas vêm começar vida nova sem qualquer memória do passado, restava a claríssima sensação de que se tratava de uma alegoria.
Mas... "alegoria de quê?" Porque o título só complica. Tanto que o autor disse que preferia que o livro tivesse saído com a capa em branco, com o título só na última página.
Mauricio Dueñas/Efe | ||
O escritor sul-africano, Nobel de 2003, durante festival em Bogotá |
Coetzee, provavelmente o mais intrigante romancista vivo, vem se especializando em se mostrar mais original do que poderíamos conceber. Trata-se de um escritor que não cessa de questionar as finalidades e especificidades da forma-romance.
Agora quem se perguntava aonde ele podia ir depois daquele livro tomou outra rasteira, com uma obra que é a sequência direta da anterior, sem solução de continuidade.
Só que essa "The Schooldays of Jesus" (a educação de Jesus) faz tudo menos esclarecer os alvos e os sentidos da alegoria geral. Continuamos acompanhando a vida de um menino sem nome, batizado de David, que parece ter escolhido um protetor na figura de um senhor chamado Simón, que depois "escolhe" como sua "mãe" a rica Elena.
Simón tem um cão de nome Bolívar. O melhor amigo do menino, no livro anterior, se chamava Fidel. À Bíblia somaram-se as revoluções do Novo Mundo? A migração europeia? O mundo pós-morte?
No novo livro, as personagens já bastam para engrossar o caldo. Há um bedel chamado Alyosha e um porteiro chamado Dmitri. Entram em cena os irmãos Karamázov, de Dostoiévski.
E, em meio a profundas discussões que parecem remeter quase a um debate entre Platão e Aristóteles, ficamos conhecendo uma escola de dança neopitagórica que pretende revelar o universo às crianças. A escola é tocada pelo músico Juan Sebastián Arroyo e sua segunda mulher, Anna Magdalena. Arroyo, claro, é uma tradução para Bach (riacho, ribeiro), e J. S. Bach também casou, depois de viúvo, com uma Anna Magdalena. Revolução? Religião? Revelação? Bach...
Coetzee se serve de Jesus e do romance como forma de pensar a realidade, para indagar coisas pra lá de densas. Algo que não pode ser dito?
Pode até ser; só que, enquanto isso, ele diz, e diz em livros absolutamente sem igual, sem par, comoventes e incompreensíveis apesar de lúcidos, lógicos e plácidos até em sua violência. E eles agora são dois. E serão três?
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