CRÍTICA
Sensível, documentário 'Galeria F' revisita o passado de preso político
Divulgação | ||
O ex-militante Theodomiro Romeiro dos Santos em cena de 'Galeria F' |
Numa cena de "Galeria F", vemos uma canoa cruzar um lago. O plano é bem aberto, e o barco aparece pequenino na tela. O que nos guia é o áudio. Theo, o protagonista, pergunta aos dois jovens barqueiros: "Vocês já ouviram falar na ditadura?". "Não" é a resposta. "Nem na escola?", insiste. "Não, senhor." Silêncio e corte para a próxima cena.
A ignorância dos barqueiros, exposta com o afastamento necessário para não expô-los, é a melhor justificativa para que documentários como "Galeria F" sejam feitos: não deixar que uma sociedade esqueça seus períodos mais duros e sombrios.
Theo é Theodomiro Romeiro dos Santos, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, primeiro civil condenado à morte no Brasil republicano, em 1971, pelo assassinato de um militar no momento de sua detenção.
Sua pena foi depois convertida em prisão perpétua, e Theo passou quase nove anos na galeria F, ala do presídio Lemos Brito, em Salvador, de onde fugiu em 1979.
O documentário leva Theo de volta ao Lemos Brito e refaz com ele o caminho de sua fuga, revisitando lugares onde ele se abrigou durante quase três meses, em quatro Estados do país.
Theo é acompanhado por seu filho Guga, que chegou a ser levado à galeria F ainda bebê, para que fosse visto pelo pai.
O filme então se constrói nesse périplo de carro por estradas do interior do Brasil, no qual o ex-guerrilheiro e hoje juiz aposentado se encontra com pessoas que o ajudaram na fuga em pequenas cidades, fazendas, conventos e até um cemitério.
Duas características de Theo ajudam "Galeria F" a ser um ótimo filme: a memória viva e o bom humor. Essa combinação permite que ele conte em detalhes e com alguma leveza histórias escabrosas, como a noite em que quase foi estrangulado por um colega de cela.
O filme amarra os relatos de Theo e seus ex-companheiros com fotos, recortes de jornais e reportagens de TV de época, tornando a narrativa mais palpável.
tempo e espaço
Vale elogiar ainda o cuidado com que "Galeria F" trata seus perfilados.
Quando Theo e Guga chegam aos lugares que atiçam as memórias mais amargas, a câmera muitas vezes se distancia, dando o tempo e o espaço necessários para que pai e filho processem os momentos mais difíceis.
Mérito da diretora Emilia Silveira, que já havia abordado o período da ditadura no documentário "Setenta" (2013) e que prepara um longa sobre o escritor Antonio Callado (1917-1997).
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