Fabiano Maisonnave: O muro de Dourados
A construção de imponentes muros altos se tornou item obrigatório dos condomínios de luxo que se proliferam pelo país afora. A peculiaridade do Ecoville Residence, em Dourados (MS), é que, vizinha à sua barreira eletrificada de três metros, fica a superlotada reserva indígena guarani-kaiowá .
O muro de Dourados não bloqueia, filtra. Todos os dias, dezenas de guaranis-kaiowás atravessam o acesso destinado a funcionários. São a maioria dos empregados domésticos e dos pedreiros que constroem as mansões. Antes, porém, precisam comprovar a ausência de antecedentes criminais.
Dentro desse simulacro de espaço público, não é permitida a entrada das dezenas de carroças de guaranis-kaiowás, que todos os dias passam oferecendo mandioca, cana ou batata e aproveitam para pedir qualquer coisa que seja.
A tragédia indígena no sul de Mato Grosso do Sul está bem documentada. No processo de colonização da região, ao longo dos anos Vargas (1930-1954), fazendeiros e agentes do Estado expulsaram os índios da maioria de suas terras, confinando-os em pequenas reservas, hoje superlotadas.
Dourados, onde cerca de 14 mil indígenas se amontoam em 3.500 hectares, se tornou o símbolo dos problemas gerados pelo confinamento. Já anexado ao casco urbano, o espaço mal permite a agricultura familiar, para não falar do modo de vida tradicional.
Nos anos 1990, os casos de suicídio se multiplicaram ali. Na década seguinte, as mortes por desnutrição infantil causaram comoção nacional. Agora, o aumento dos casos de homicídio é a maior preocupação. Um problema não substituiu o outro, mas se acumularam e hoje se alimentam.
Em Dourados e outras cidades, os guaranis-kaiowás vêm tentando reaver parte de suas terras, transformando o sul de Mato Grosso do Sul no principal palco de conflitos entre indígenas e fazendeiros.
As áreas em processo de demarcação chegam a 117 mil hectares, que se somariam aos 29 mil hectares de terras indígenas existentes. Juntos, elas representam apenas 2,4% do sul de Mato Grosso do Sul.
As ações contrárias à demarcação, que só indeniza as benfeitorias, se arrastam na Justiça contestadas por fazendeiros que afirmam que suas áreas foram compradas legalmente, o que é verdadeiro na maior parte dos casos.
Recentemente, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) atribuiu o atraso na demarcação à lei atual, que não permitiria indenizar desapropriações em terra indígena.
O fato é que, em 12 anos, a gestão petista se limitou a atender aos indígenas com programas sociais paliativos –distribuição de cestas básicas, Bolsa Família–, talvez apostando em transformar os guaranis-kaiowás em pobres remediados. A elevação dos muros é o monumento que mostra que isso não está funcionando.
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Comentários
Ver todos os comentários (3)Tony
24/11/2014 17h58 DenunciarSilva
24/11/2014 17h45 DenunciarQuando aparece uma reportagem destas parece que os índios estão abandonados e tratados como mendigos. Mas parece que está faltando ou no mínimo ser divulgada a politica da FUNAI para a população indigena do Brasil em seus vários locais e estágios de desenvolvimento humano. Tem regiões que os índios estão tão aculturados que não adianta dar apenas terra pois não sabem cultivar e conseguirão o se sustento. Qual o futuro dos índios no Brasil ? Igual ao índio americano ???
TFC
24/11/2014 10h20 DenunciarHá uma imensa "insegurança jurídica" no campo, em Mato Grosso do Sul. Os indígenas, na sua grande maioria carecem de áreas maiores para a sobrevivência de sua gente. Os proprietários rurais, que têm a posse do imóvel reclamam com razão, pois muitos deles acatam a necessidade de desapropriação, todavia clamam por receber o valor justo por seus imóveis (terras e benfeitorias). O partido da situação no Governo Federal inflamou a situação todavia ainda não ofereceu solução. Lamentável.
Indiscutivelmente a questão do índio tem sido abordada de forma incoerente com o progresso. Não seria a hora de mostrar como se pode incorporar o índio ao PIB do país? Em Dourados eu sugiro que se construa no condomínio citado pelo Fabiano, um Supermercado onde o índio possa vender sua mandioca, batata e o que mais vier a produzir, recolhendo sobre o preço de venda um imposto de produtor. Isto o fará sentir orgulho de pertencer à classe produtiva e ao PIB brasileiro sem ferir seus costumes.