Greve na torre de marfim
Há séculos se designa como "torre de marfim" o mundo dos intelectuais alheios às realidades da vida. Docentes e funcionários das universidades paulistas, nos dias atuais, se encarregam de atualizar o significado da expressão pejorativa.
Fazem-no em sentido a um só tempo mais pedestre e mais alienado. Quando se trata de seus proventos, têm os pés bem postos no chão e marcham para mais uma greve com a determinação obtusa de quem considera infinitos os recursos públicos.
Não são, claro. USP, Unicamp e Unesp se sustentam com 9,57% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido pelo governo estadual —neste ano, até abril, foram agraciadas com R$ 2,89 bilhões do contribuinte.
A maior parte, 5,03%, fica com a USP. Unicamp e Unesp recebem respectivamente 2,2% e 2,34%.
Se recua ou aumenta a arrecadação, a verba das universidades cai ou sobe na mesma proporção. Ninguém pode desconhecer que o país vive crise profunda, e isso se reflete no montante de ICMS paulista, que teve queda de 5,3% em termos reais no ano de 2015.
Apesar disso, professores e servidores universitários pleiteiam 12,34% de reajuste salarial. O conselho de reitores das instituições apresentou proposta de 3%, mas quatro dias antes de ela se materializar o sindicato dos funcionários da USP iniciou uma paralisação.
Um sindicalista de imediato traduziu a oferta como reajuste negativo de 7%, como se a corporação tivesse um direito divino à reposição plena da taxa de inflação. Cabe assinalar que, em 2015, a renda média do trabalho no país retrocedeu 3,7% em termos reais.
Avessos aos fatos concretos, os docentes uspianos mais uma vez seguiram o comando desarrazoado dos servidores. Em assembleia com meros 150 dos quase 6.000 professores, decidiram aderir à greve —mas somente depois do feriado.
Se aplicassem um mínimo de rigor intelectual ao problema, os luminares da USP, da Unicamp e da Unesp deixariam de exigir o inviável e sugeririam medidas para evitar o descalabro administrativo em que se encontram. São insustentáveis, afinal, instituições que destinam ao pagamento de pessoal mais de 100% de suas receitas.
A não ser que pretenda subverter a aritmética, a comunidade acadêmica paulista fica devendo uma discussão mais séria sobre seu próprio futuro. Poderia começar por um tema óbvio, embora sempre rechaçado: a cobrança de anuidades de alunos em condições de pagar.
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Comentários
Ver todos os comentários (35)Roberto Gomes
26/05/2016 03h27 DenunciarRoberto Gomes
26/05/2016 03h23 Denunciar(Continuação do 2o comentário)... os fatos de maneira honesta, verifica-se que o problema do orçamento é, por um lado, complexo (pois envolve inúmeros aspectos), e que o resultado final das atividades da USP é, apesar de todas dificuldades (inclusive de gestão) são, na média, muito bons,com indicadores de ensino e pesquisa bastante bons. A avaliação dos rankings internacionais levam em conta vários aspectos adicionais, como visibilidade, internacionalização, e outros fatores, para os quais as...
Roberto Gomes
26/05/2016 03h19 Denunciar(Continuação do primeiro comentário)... de gestão. O fato é que o modelo de gestão das universidades paulistas, ainda que bem melhor que o das universidades federais, pode ser bem melhorado. Mas é preciso se quebrar ovos para se fazer a omelete. Quanto aos comentários abaixo, a maioria é de hipócritas ou de ignorantes que preferem fazer de conta, no primeiro caso, que a importância da USP pode ser minimizada. No segundo caso, desconhecem os fatos. Quando se busca conhecer de verdade...
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(Continuação do 3o comentário) ...universidades paulistas, em particular, e algumas brasileiras, passaram a atentar apenas muito recentemente, como ministrar aulas em inglês, por exemplo. Na verdade, uma análise cuidadosa e datalhada leva facilmente à conclusão de que as universidades paulistas fazem muito pela sociedade, quando se considera o modelo administrativo destas mesmas universidades. O que é preciso é se melhorar a gestão administrativa, que é por demais burocratizada.