Reeleição sem fim
NA DÉCADA passada, o peruano Alberto Fujimori inventou a reeleição moderna na América do Sul. Abriu uma caixa de Pandora: o mecanismo foi copiado, na ordem, por Carlos Menem, FHC, Hugo Chávez, Álvaro Uribe, e agora Evo Morales quer entrar no clube.
Fujimori fugiu para o Japão em meio ao escândalo Montesinos; FHC deixou uma economia fragilizada, enquanto Menem a estropiou de vez; Chávez subjugou as instituições em meio a anos de intolerância e instabilidade; e Uribe se aliou a políticos envolvidos com violentíssimos grupos paramilitares. Em todos esses atentados contra o Estado, influenciaram tanto o esforço para aprovar a reeleição quanto a campanha para outro mandato com ajuda da máquina.
Na Bolívia, onde a reeleição está no centro do impasse na Assembléia Constituinte, os acontecimentos desta semana expõem a grave crise institucional que ainda não chegou ao fundo do poço. Em breve, será a vez do Equador de Rafael Correa mergulhar no tema, e tampouco deverá ser tranqüilo.
Essa imensa e danosa energia despendida para mudar as regras em benefício próprio se repete na personalíssima reforma constitucional de Chávez, em que a reeleição infinita é a essência. As forças de segurança, em vez de combater a crescente delinqüência -de longe, a principal preocupação dos venezuelanos-, priorizam reprimir protestos estudantis. O esforço logístico estatal, no lugar de se ocupar com o humilhante desabastecimento de leite, organiza megaeventos eleitorais com dinheiro público. A emissora oposicionista RCTV deixou de ter abrangência nacional e foi substituída por uma TV que não coloca ninguém que não seja "rojo rojito". Até o sistema de som do metrô de Caracas anda fazendo campanha pelo "sim"!
Na recente história regional, nenhum presidente perdeu a reeleição, tamanha a vantagem de disputar já no cargo. Por isso o risco maior da segunda reforma chavista, que, ao multiplicar as atribuições do Executivo -ter o poder de redesenhar o território, por exemplo-, aumenta também as chances de ficar "más allá de 2020", como ele quer.
O pior é que Chávez está abrindo uma nova caixa de Pandora dentro da caixa de Pandora de Fujimori.
Há pouco, Uribe admitiu disputar um terceiro mandato. Outro dia, Lula defendeu a reforma chavista citando outros países -revelou que em princípio não é contra. Morales quer queimar etapas e aprovar logo a reeleição indefinida. E o casal Kirchner inaugurou espertamente a reeleição conjugal, válida por décadas, sem reforma.
Será que a região um dia terá ex-presidentes?
FABIANO MAISONNAVE é correspondente da Folha em Caracas.
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