Jornalista, cronista e tradutora, é colunista do "International New York Times''. É autora de "O Livro Amarelo do Terminal" (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e "Noites de Alface" (Ed. Alfaguara). É editora de "A Hortaliça" (www.hortifruti.org).
Deixe a direita livre
Uma das maneiras mais fáceis de identificar gente pobre em um shopping de luxo é analisar a conduta na escada rolante: se o sujeito encostar à direita, dando passagem para quem tem pressa, pode contar que é ralé.
Tal comportamento, praticado de forma automática por esta colunista, é indicativo do desagradável hábito de frequentar trens e metrôs (onde o procedimento é manter a esquerda livre para circulação), podendo ser tomado como um sinal de que o meliante estaria ali para participar de rolezinhos, causar tumulto e incomodar gente de bem.
Outra maneira segura de apontar desajuste social em locais chiques é postar um informante no banheiro. Quem vem da periferia pode ir direto para o reservado a fim de lavar o rosto, aliviar a bexiga, pentear o cabelo, fazer a toalete e encher a garrafa de água no bebedouro.
Gente diferenciada também costuma matutar como faz para abrir a torneira; hoje em dia, o ato de lavar as mãos exige muito insight para não passar vergonha, enquanto abanamos em desespero as mãos em busca de um sensor que ative o jato de água ou de sabonete líquido. Às vezes há dissimuladas alavancas, pedais ou botões.
Ilustração Catarina Bessell | ||
Em suma, qualquer pessoa que demonstre incerteza diante da pia deve ser detida para averiguações.
(Até no âmbito mais privado pode haver armadilhas para o populacho; basta deixar registrado que, no banheiro de um hotel, em Londres, puxei uma cordinha vermelha achando que era a descarga. E disparei um alarme.)
Nas lojas, é altamente suspeito aquele que demonstra surpresa diante do preço de um produto, ou mesmo que não entende quando o vendedor diz que um vestido custa "sete quatro cinco". (Em tempo: não é R$ 7,45, e sim R$ 745, mas você pode pagar em seis vezes no cartão.)
Aliás, quando o vendedor faz uma breve análise visual do cliente e começa a falar em crediário e promoção, pode apostar que alguém no balcão já apertou um botão vermelho para chamar a segurança. O fato de haver um homem de terno com walkie-talkie na mão atrás de você o tempo inteiro também não é bom sinal.
Outras atitudes suspeitas: perguntar se tem algo mais "em conta", trazer a própria sacola de casa e rir do preço achando que é piada. Por experiência própria, não ajuda bradar: "É noventa?Pois eu pago quinze".
Não é fino andar de mochila, usar boné de aba reta, fazer chacota das blusas na vitrine e apontar uma costura malfeita, dizendo que "isso aqui virou o Brás".
Grande indicativo de pobreza é pedir para passar dez reais no crédito —sobretudo se, na hora de sacar o cartão, você tirar sem querer da bolsa o Bilhete Único.
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