Rio, 500 anos: O horror que vem do mar
A convite da Folha, quatro autores cariocas de diferentes estilos imaginam como será a cidade em outro aniversário, daqui a 50 anos.
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Sou louco. Essa é a primeira coisa que você precisa saber ao meu respeito.
A segunda é que estou de saída. Moro nesta instituição faz 50 anos. E hoje é o meu último dia.
O perigo de se viver entre muros é que a gente se acostuma. Como qualquer animal, o homem se adapta, o homem se conforma. Mas existem vantagens em ser maluco, e uma delas é que as pessoas nos ignoram. O bom louco, portanto, é aquele que ouve. Que observa.
Na época em que fui internado, o sanatório ocupava uma quadra, ao lado da escola de comunicação. Depois, inauguraram outro prédio, colado à Praia Vermelha, e me deram um quarto de onde se via um pedaço do mar.
Quando a depressão apertava, era o que eu fazia: contemplava as ondas, procurando, nelas, um enigma para solucionar, mas não havia nenhum. O mundo apodreceu, tornou-se estéril, perdeu a magia, esgotou sua fé. Não há mais nada a conhecer; não há fronteiras a se conquistar.
Foi quando eu os enxerguei, numa madrugada chuvosa. Uma sombra repulsiva, que se movimentava torta sobre a areia, como se a água, e não a terra, fosse o seu habitat. Depois, aconteceu no outono. O "monstro" veio acompanhado de outros, as escamas brilhando à lua cheia, os olhos esbugalhados, e o cheiro... de peixe.
Um deles me notou e, apavorado, surtei. No ambulatório, compreendi, afinal, que não era horror, era fascínio! Os seres, tão asquerosos, me devolveram o sentido da vida, o gosto pelo mistério, a chama que me faltava.
Obcecado, comecei a investigá-los. Descobri que tais criaturas chegaram à nossa costa fazia 500 anos. Sua raça era muito antiga, vivia nas profundezas, mas com o aumento da poluição passaram a caçar na superfície.
Por toda a baía eles vagavam, procurando suas vítimas, às vezes as recebendo voluntariamente, prometendo que um dia o maior deles despertaria, e que nenhum homem poderia se opor à sua vontade. Um novo mundo. De êxtase. De mistérios. De liberdade. Era a promessa.
Por 50 anos esperei. Por 70 sobrevivi. Então, a loucura dos remédios desvaneceu. Olhei pela janela. Estavam lá, todos eles. Os sons da noite tinham se apagado. Os carros, as sirenes, os murmúrios. Só uma frase se escutava, e ela vinha do mar:
"Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn"
EDUARDO SPOHR, 38, é jornalista e escritor, autor de "A Batalha do Apocalipse" (Ed. Verus, 2010).
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