OPINIÃO
No 'Rio 40 Graus' tiroteio é mais rotina do que a própria praia
Ricardo Moraes/Reuters | ||
Policiais do Bope armados durante operação no complexo do Alemão, zona norte do Rio |
O Rio de Janeiro continua lindo. Ainda mais para um paulistano que vive no Rio há apenas nove meses. Vejo o mar da varanda e o sorriso dos cariocas no elevador.
O samba de Gilberto Gil também continua lindo e poderia ser o hino oficial da cidade, não fosse "Cidade Maravilhosa", marchinha do Carnaval de 1935, promovida a isso nos anos 1960. Mas, hoje, a música que representa a cidade sitiada é "Rio 40 Graus", de Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Laufer.
Não pela temperatura. Pelo retrato do município: "O Rio é uma cidade de cidades misturadas. O Rio é uma cidade de cidades camufladas, com governos misturados, camuflados, paralelos, sorrateiros, ocultando comandos."
Purgatório da beleza e do caos, o Rio muda como o mar. Um paulistano só aprende que o mar muda todo dia quando vive perto dele. No Rio, há uma rotina, mais do que a praia: o tiroteio.
Conto cinco dias semanais em que se ouve a palavra tiroteio no rádio. Ouvi recentemente que houve tiroteio em Vila Isabel. Grazi é maquiadora e vive lá, pertinho da quadra da escola de samba. Perguntei se percebia o problema. Respondeu que alugou apartamento no meio do caos, sem saber. O bairro é lindo, ótimo. Quer sair de lá, rápido.
PICANHA E CUPIM
Há violência em todas as capitais do Brasil. Uma metáfora define a diferença entre São Paulo e o Rio, como entre a picanha e o cupim. A picanha tem a gordura, como São Paulo também tem a violência. Mas ela está na borda, na periferia. No cupim, a gordura está toda misturada, como a violência no Rio.
Ouvimos no rádio de São Paulo a palavra chacina, a cada três meses, dois meses talvez. É gravíssimo!
Tiroteio todo dia é assustador. Ouve-se em Botafogo, pertinho do morro Dona Marta. Não tenho a pretensão de conhecer o Rio. Deixo isto para o Lúcio de Castro, jornalista e carioca de verdade. Apenas escuto, presto atenção, tento entender. Minha pretensão é somente a de ser um brasileiro aflito.
No rádio, a caminho do trabalho, escutei no dia 4 de maio que havia 66 pessoas atingidas por balas perdidas no Rio, em 2017. Fiz a conta. Estávamos no dia 124 deste ano. Significa uma bala perdida a cada dois dias.
Ouço, também no rádio, que nos anos 1980 havia uma guerra de tráfico no morro Dona Marta, entre os bandos do Zaca e do Cabeludo. Davam entrevista coletiva e todos sabiam quem era o Zaca e quem era o Cabeludo. Isto foi em 1987.
No final daquela década, chocávamo-nos com os crimes da Colômbia, guerra do tráfico, país sitiado por seus próprios conflitos. Na mesma época do Zaca e do Cabeludo.
Nunca nos comparamos com a Colômbia. Por que não mesmo?
Ligo o rádio e julgo que estou na Colômbia, no auge da guerra do tráfico.
Mas é apenas um problema carioca?
Não, não é.
É um problema nacional.
"Quem é dono deste beco? Quem é dono desta rua? De quem é este edifício? De quem é este lugar?"
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