Bairro de menino que desmaiou de fome sofre com falta de estrutura
Leninha, 38, mora com o marido, cinco filhos e um neto no Paranoá Parque, condomínio do Minha Casa Minha Vida que abriga mais de 6.000 famílias na região nordeste do Distrito Federal.
Apertada em 46 m² (um apartamento funcional de deputado federal tem 200 m²), a família sobrevive, diz ela, com cerca de R$ 500 por mês vindos em parte do Bolsa Família, em parte das vendas de um bazar improvisado na avenida principal do condomínio.
A situação de Leninha, que saiu do Piauí para a capital federal em 1995 e recebeu um apartamento do programa há dois anos, não é incomum no empreendimento, que entrou em foco no dia 17 deste mês, depois que um menino de oito anos desmaiou de fome durante a aula, em uma escola a 30 km de casa, no Cruzeiro.
Ao perceber que o garoto estava passando mal, sua professora acionou o Samu e ele foi socorrido. Moradores do bairro em que ele vive relataram à Folha falta de escolas, atendimento médico e infraestrutura básica no condomínio que dista cerca de 20 km da praça dos Três Poderes, centro do poder brasileiro.
"Não tem nem uma cobertura para as crianças esperarem o ônibus", diz Ana Paula Alves, 38, mãe de quatro filhos, enquanto espera, sob forte chuva, a condução que levará o de oito anos para a Escola Classe 8, a mesma do garoto que desmaiou de fome.
Lá, à tarde, estudam apenas crianças vindas do Paranoá Parque, realocadas para escolas distantes por causa da inexistência de escolas no conjunto habitacional e da falta de vagas em unidades mais próximas, como as da região administrativa do Paranoá.
Um ônibus escolar busca os alunos às 12h40 e chega à escola por volta das 13h30. Muitas das crianças, diz Alves, saem de casa sem almoçar. "Tem muitos assim aqui, que passam necessidade, você vê no ponto de ônibus e sabe que eles são bem carentes mesmo, não têm o que comer", diz ela.
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
Fachada de escola onde aluno de 8 anos desmaiou de fome |
SEM ALMOÇO
O menino que passou mal na escola vive com a mãe, desempregada, e cinco irmãos em um dos apartamentos de dois quartos e um banheiro.
Quando a Folha visitou o local, na quinta (23), quase todas, com idades de 3 a 13 anos, estavam em um sofá improvisado. Só o menino de oito anos não estava: havia saído com Leidiane, a mãe, para fazer exames no hospital.
"Ele não tinha almoçado, mas tinha comido angu [mingau de fubá], que é forte", diz Leonildo Silva, 23, marido de Leidiane. Segundo ele, foi a primeira vez que uma das crianças se queixava de fome.
Disse, porém, que a família está em dificuldades financeiras desde que se mudou de uma ocupação no bairro do Noroeste, em Brasília, para o Paranoá Parque no final do ano passado. "Eu trabalhava lá na ocupação com reciclagem, mas aqui não tem onde conseguir emprego."
A renda familiar vem basicamente dos benefícios que Leidiane recebe, como o Bolsa Família, e totaliza R$ 946 -R$ 118 por pessoa ao mês, contando-se as seis crianças e os dois adultos. Além disso, a família acumula uma dívida com o condomínio, de cerca de R$ 700, diz Silva.
Procurada, a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal disse que não há déficit de vagas escolares no Estado e que "o deslocamento para duas escolas do Cruzeiro e uma do Lago Norte foi a saída encontrada para que as crianças do Paranoá Parque não fiquem sem estudar".
A pasta também afirmou que a solução é "temporária", e que "assim que existir recursos, serão construídas escolas no conjunto". Desde o ocorrido, a Classe 8, que servia um lanche às 15h30, passou a oferecer almoço assim que os alunos chegam à escola.
SAÚDE E EMPREGO
A falta de escolas e emprego não é a única reclamação dos moradores do Paranoá Parque. Também preocupa a escassa oferta de assistência hospitalar. "Antes a gente tinha o postinho, mas tiraram a gente de lá", diz Leninha.
Ela se refere ao posto de saúde mais próximo, que fica fora do empreendimento, no Paranoá, mas onde os moradores se consultavam até o final de setembro. Desde então, os moradores são orientados a fazer todos os exames no Hospital Regional do Paranoá, que também recebe doentes das regiões administrativas vizinhas, como Itapoã e São Sebastião. "Lá é lotado, uma confusão, a gente não consegue marcar nada", diz Regiane Batista, que leva o filho de 16 anos para consultas mensais.
Às 13h de quinta (23), a sala de espera da emergência do hospital estava lotada. Elenilda Moreira, 37, esperava desde as 9h uma maca para o filho Lucas, 18, que aguardava sobre um banco de pedra. "A febre dele está muito alta, ele está vomitando, estou com medo de ter uma convulsão", afirmou a mãe, moradora do Paranoá Parque.
Outros pacientes, que afirmaram estar desde a madrugada esperando por atendimento, disseram terem sido informados que havia apenas um médico na unidade.
Procurada, a Secretaria de Saúde afirmou que 16 médicos estavam de plantão e que o hospital realiza em média 300 atendimentos por dia.
Também afirmou que a população do conjunto "não está desassistida" e que o atendimento na policlínica do hospital regional "é temporário" e que licitação para construir uma unidade de atendimento para o Paranoá Parque está prevista para acontecer em janeiro de 2018.
Outra questão que preocupa os moradores é o emprego. Para Alves, a distância do Plano Piloto, onde se concentram os empregos no Distrito Federal, é um complicador. "Precisa pegar uns quatro ônibus pra ir e voltar, e empresa nenhuma quer pagar tanto vale transporte. Ou a gente mente onde mora e paga para trabalhar, ou não consegue", diz. "A gente fica aqui jogado, ao Deus dará. Não tem escola, creche, emprego, nada", completa Batista.
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