Câmara deve discutir projeto com regras para ONGs em fevereiro, diz governo
Há muito esperado pelo terceiro setor, o marco regulatório das organizações da sociedade civil está mais próximo de sair do papel. Em 11 de dezembro, foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e seguiu para a Câmara. A expectativa agora é a de que o tema entre na pauta dos deputados já em fevereiro, quando eles retornam do recesso parlamentar, e seja analisado pela CCJ da Casa.
Segundo Laís de Figueirêdo Lopes, advogada e assessora especial da Secretaria-Geral da Presidência, ministério responsável pela discussão do assunto, "há uma grande expectativa de tramitação rápida desse tema, já bastante amadurecido pelos debates existentes".
Marcos Oliveira/Agência Senado | ||
A partir da esq., os senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Pedro Taques (PDT-MT) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), autor do projeto de lei do marco legal, durante reunião na CCJ do Senado |
Participaram das discussões, iniciadas oficialmente em 2011, por meio de um grupo de trabalho interministerial, gestores públicos, representantes de organizações, especialistas, congressistas e representantes de órgãos de controle, como a CGU (Controladoria-Geral da União). O marco legal é um conjunto de regras que define como deve se dar a contratação das organizações da sociedade civil, como as ONGs, pela administração pública, e estabelece critérios claros para o controle e a fiscalização dos repasses, aumentando a transparência nesse processo.
Entre as novas exigências está o chamamento público para seleção das organizações –do qual só poderão participar entidades e dirigentes com "ficha limpa"–, o planejamento como ferramenta de gestão para a seleção dos projetos, o monitoramento das etapas de execução, assim como a avaliação dos resultados, e a análise da prestação de contas. Para ser selecionada no edital, a organização precisa ter ao menos três anos de funcionamento, experiência prévia na área de atuação da proposta e comprovação de capacidade técnica e operacional.
"Estamos ampliando muito as amarrações no sentido da transparência e do controle da aplicação dos recursos públicos. E, com segurança jurídica e regras claras, você beneficia as ONGs que trabalham de forma séria", afirma o relator do projeto, senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).
A demora na aprovação da prestação de contas, uma das queixas do setor, é uma das preocupações do marco legal, segundo Lopes, da Secretaria-Geral da Presidência. "Quando o poder público conhece o valor médio de mercado dos itens de despesa que deverão ser contratados, a análise burocrático-formal fica facilitada e mais foco pode ser dedicado ao controle dos resultados."
Mas, para ela, as organizações também precisam fazer a sua parte. "Elaborar o projeto com clareza, prever todos os custos de forma coerente no plano de trabalho, além de manter pessoas qualificadas atuando na gestão da parceria, ajuda na celeridade e assertividade do processo."
Vera Masagão Ribeiro, diretora-executiva da Abong (Associação Brasileira de ONGs), destaca como avanços propostos pelo projeto de lei a criação de tipos de parcerias mais específicos para organizações e Estado (o termo de colaboração, destinado às propostas vindas do poder público, e o termo de fomento, aplicado em projetos de iniciativa das entidades), a exigência de auditoria externa e a possibilidade de atuar em rede.
RESULTADOS
"O foco do projeto de lei está na contratualização, mas não dá conta de tudo", diz Andre Degenszajn, secretário-geral do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). "Quase não aborda a comprovação de resultados, por exemplo. Ele tem uma abordagem extremamente formalista, administrativo-burocrática. Precisa ser aprovado, sim, mas não resolve todas as questões."
A advogada especializada em terceiro setor e membro da Rede Interamericana de Direito das Organizações da Sociedade Civil, Paula Storto, afirma que o projeto de lei é um avanço, mas também defende a continuidade do debate. "Organizações sociais sérias têm o direito de ser financiadas pelo Estado. O marco legal atende necessidades das organizações, da sociedade civil e da administração pública e traz mais segurança jurídica a essas parcerias, mas poderia ter ido além. Ele facilita as relações com organizações prestadoras de serviço, mas o mesmo não ocorre com ONGs que pensam a participação social, que tentam trazer novas tecnologias sociais, como no passado ocorreu com a Pastoral da Criança e a disseminação do soro caseiro."
Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e da Abrasta (Associação Brasileira de Talassemia), vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2013, concorda com as ressalvas. "Mesmo quando temos uma lei, temos pouco poder de assegurar a sua implementação. Pela nossa experiência, hoje é muito difícil qualquer tentativa de parceria séria sair do papel. A burocracia acaba impedindo projetos que possam ser úteis à sociedade."