Raciocnio 'deficiente' cria ONG que defende direitos
Cercada de poesia, superintendente do IBDD, entidade que acelera a incluso de pessoas com deficincia, resgata histrias prprias de fora e delicadeza
"Teresa pensa como deficiente", diz o auxiliar administrativo Fernando Lima, 39, sobre a mulher que, segundo ele, no mudou sua vida, mas criou chances para que ele mesmo fizesse isso.
Pensar como deficiente o melhor elogio que Teresa Costa d'Amaral, 56, pode receber. com esse talento que ela conquista admiradores, derruba paredes e debrua a alma sobre o IBDD (Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia), com sede no Catete, no Rio.
O nome pomposo do instituto no faz jus simplicidade de quem o reconstri todos os dias. E ela sabe que o IBDD cantiga incompleta, apesar das realizaes.
A principal delas no sentir pena de quem se v deficiente. As outras se distribuem em trabalho, esporte e direito. Cursos de profissionalizao e um servio de recolocao garantem espao no mercado de trabalho. O esporte d auto-estima e treina tambm atletas: so oito medalhas paraolmpicas conquistadas. E h advogados para cobrar na Justia os direitos negados na prtica.
No meio do dia, um problema. A sede do IBDD, dois andares, no tem sada de emergncia. Como evacuar um local com vrias pessoas com dificuldade de locomoo, se houver incndio?
H uma parede que d para a garagem, mas o condomnio contra a abertura. Para ela, parece simples. "Vamos abrir a porta. Que venham fechar depois", diz.
Num quadro de cortia, um poema do marido, Mrcio d'Amaral, que trabalha com ela: "Nunca morrem os sonhos. Acompanham as pessoas predestinadas". No banheiro, outro texto. "Mantenha arrumado, mesmo que tenham deixado uma baguna", diz o aviso na parede, a mesma que Teresa pretende quebrar.
Vida
No dia seguinte entrevista que Teresa deu Folha, sua me, Nazareth Costa, morreu. Finalista do prmio, Teresa posou para fotos no stimo dia, antes da missa. No reclamou. No esmoreceu.
Por trs das lentes, uma mulher cheia de pacincia e doura (mas sem melao). Que mais poderia dar uma filha de "anjos na terra" como o poeta, jornalista e imortal Odylo Costa, filho, com vrgula (morto em 1979), e Nazareth, pintora de anjos, crianas e sonhos?
Aurora, irm de Teresa, nasceu deficiente. Aos 12, morreu, depois de ensinar muito e aprender pouco -nunca falou, s sabia sorrir, mas nunca foi escondida pela famlia. Seu irmo mais velho tinha 18 anos quando foi morto por um menino de rua. O pai de Teresa no s se envolveu com a questo do "menor" como recuperou o rapaz que matou seu filho.
Em 81, nascia Felipe, sobrinho de Teresa. Olho puxado, cabelo liso, sndrome de Down. Era especial e nico como toda criana. E ela mesma, Teresa, viu-se grvida e com rubola. Certa de que teria um filho deficiente, fez um aborto. So resgates duros, mas que ela conta como notcias de amor.
Do casamento que gerou Teresa foram padrinhos trs poetas: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Ribeiro Couto. E com poesia que, como ocorreu com o pai, o irmo, Aurora e Felipe, "bichos no cu", Nazareth ser transformada em norte -pelas mos de Teresa e por sua reconstruo diria de si mesma. Com toda a fora da delicadeza.