Voz da periferia
CRISTIANO CIPRIANO POMBO
DO BANCO DE DADOS FOLHA
Quando pequeno, a diversão de Tony Marlon Teixeira Santos era escutar rádio. Em meio à luta dos pais, boias-frias em plantações de café, para criá-lo com duas irmãs, o garoto do Vale do Jequitinhonha (MG) desenhou o futuro a partir de programas esportivos e "A Voz do Brasil".
O radinho deu a Tony um propósito, o de ser jornalista, uma paixão, a de torcer pelo Flamengo, e um sonho, o de morar na av. Paulista ("Achava que lá estavam as rádios").
E o menino de cabelo encaracolado, cujo nome a mãe extraiu do rádio "da criança cega que fez campanha para poder ser operada nos EUA e voltou a enxergar", cresceu entre trocas de endereço.
Em menos de dez anos, a busca dos pais, José Barbosa dos Santos, 53, e Marileide Teixeira da Silva Santos, 50, por uma vida melhor levou Tony a deixar Salinas (MG) e a morar em Vespasiano (MG) e Campinas (SP), antes de chegar à zona sul paulistana.
Por onde passou, Tony colecionou eventos de superação, entre eles bullying na escola. "Apanhei muito por não ser de Campinas. Tive tanto medo que, em três meses, apaguei o sotaque [mineiro]."
Mas foi no Campo Limpo, que considera a "29ª maior cidade do Brasil" por ter mais 600 mil habitantes, que Tony se achou. Lá, foi acolhido em 2001 pelo Projeto Arrastão, organização social com mais de 40 anos, e criou asas.
"Primeiro, cursei gastronomia. Todo mundo foi porque davam R$ 50, que o pessoal usava para comprar tênis."
Da gastronomia Tony foi para a comunicação, passou a dominar técnicas de produção e edição de vídeos e se gabaritou a voos maiores.
O primeiro deles foi ser selecionado num programa da Fundação Abrinq, entre 250 inscritos, o que lhe garantiu uma bolsa na universidade e no curso
que escolhesse. Optou por jornalismo e uma faculdade perto de casa, afinal, a vontade de mudar o Campo Limpo já batia o sonho de viver na av. Paulista.
A faculdade também mudou Tony. "Enquanto vi amiga com 18 anos ganhando carro de presente, tive que trabalhar para pagar um computador em 18 vezes."
Depois da av. Paulista, foi a vez de as rádios terem outro sentido para Tony. "[Após atuar em algumas,] vi que o meu sonho fora ressignificado, que o desejo era fazer algo pela comunidade."
Nessa época, há três anos, Tony já dirigia projetos de comunicação, como o Maré Alta, e uma produtora de vídeos. A formação que buscou para si o motivou a criar o Instituto Escola de Notícias.
ÁGUA FRIA
Em janeiro de 2011, com FGTS de dois trabalhos e seguro-desemprego, comprou uma câmera e três computadores e fez nascer a entidade. A formação inicial, em sociedade com colegas, porém, não decolou e deixou a Tony perdas de R$ 20 mil. Triste, o mineiro de 1,62 m ficou 15 dias rodeado de perguntas e post-its nas paredes. Dessa imersão e da crença na inscrição que leva no braço ("omnia vincit amor", o amor vence tudo), bolou a fórmula do Escola de Notícias: uma escola comunitária fomentada por uma produtora de vídeo, que abrigaria os profissionais gestados na metodologia da educomunicação.
"Não fundaria ONG, devido à burocracia, nem empresa, pois há muita produtora de vídeo. E não criaria projeto pautado por patrocínio." Ajudado por Karoline Alcântara, 22, em meio a dificuldades que o fizeram até queimar o chuveiro de casa para obter mais luz para uma das filmagens, Tony, 29, reergueu o Escola de Notícias.
Com metodologia que valoriza histórias, aliada à oferta de oficinas de jornalismo, foto e vídeo, produção de jornal, revista e rádio, intercâmbios e formação de núcleos de comunicação, a entidade já impactou mais de 600 jovens em dois anos. Conveniado com a prefeitura, atinge alunos de mais de 16 escolas.
"Falo que faço curso de jornalismo no bairro e, quando digo que é de graça, ninguém acredita. O Escola de Notícias permite que a gente tenha voz e, no futuro, renda, em meio à violência", diz o estudante Anderson Machado, 24.
Quem vai ao EDN é instigado a obter meios de responder à pergunta que não cala: sabe o que a comunicação é capaz de fazer na sua vida?
Para o jornalista Tony Marlon, a pergunta significa o convite para o outro existir. Para o empreendedor Tony Marlon, ela é um dos meios de o Escola de Notícias mudar a vida.
Assista
Conheça mais sobre a Escola de Notícias
A região abrangida pela Subprefeitura do Campo Limpo envolve três distritos da zona sul de São Paulo: Campo Limpo, Capão Redondo e Vila Andrade. Juntos, eles representam a segunda maior densidade demográfica da cidade de São Paulo, com 16,542 habitantes por quilômetro quadrado. Ainda segundo a subprefeitura do Campo Limpo, moram na região 600 mil pessoas, o que corresponde, se fosse uma cidade, a 29ª em número de habitantes no país.
Segundo o recém-lançado "Mapa da Desigualdade", elaborado pela Rede Nossa São Paulo, o distrito está entre os piores no que se refere à qualidade de vida na cidade, com 29 indicadores negativos (entre eles segurança, acessibilidade e transporte), atrás apenas do Grajaú e do Capão Redondo (zona sul), Brás (centro) e Brasilândia (zona norte).
Ainda de acordo com este relatório, o Campo Limpo tem o pior indicador relacionado ao número de homicídios dentro de um conjunto de 100 mil habitantes, com 16,93 (dados de 2011). A relação é ainda mais agravante no recorte entre jovens do sexo masculino entre 15 a 29 anos, faixa etária atendida pelo Instituto Escola de Notícias: 82,37. 87
As regiões periféricas e violentas são aquelas que apresentam forte correlação com a precarização das escolas e a falta de professores. Também são lugares de maior conflito entre a cultura institucional da escola a cultura da periferia (como o grafite e o hip hop), ainda bastante marginalizadas no currículo escolar e pautadas pela resistência.
Nesse contexto, o Instituto Escola de Notícias vem suprir uma lacuna que nem a escola nem a comunidade conseguem preencher, que consiste em dar autonomia e meios de expressão a vozes jovens que veem e sonham com outras realidades e que enxergam além da violência e da precariedade a que são expostos em seu cotidiano. É por meio desse caminho que o projeto mobiliza comunidades, desenvolve o olhar apreciativo para os seus entornos e busca viabilizar novas realidades.
Apesar de a educomunicação (conceito pedagógico que usa de recursos tecnológicos modernos e técnicas de comunicação na aprendizagem através de meios de mídia) ser uma ferramenta de desenvolvimento ser amplamente utilizada por ONGs, a forma como o candidato personalizou a metodologia pode ser considerada única no país, somando ao pacote processos de autoconhecimento, uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs) e possibilidade de gerar renda pela produção e publicação de conteúdos voltados à comunidade local.
A inovação está presente:
1 - na criação de modelos de movimentos para transformação da comunidade onde está inserido, a partir do uso de vídeo, rádio, jornal e mídia eletrônica, mapeando talentos em potencial nas redes colaborativas e escolas públicas e particulares da região, sem fazer distinção;
2 - na ativação econômica dos jovens da região por meio dos serviços de comunicação e produção de conteúdo realizados por eles próprios, que traz valor agregado tanto para quem produz como para o público final que tem a possibilidade de ser protagonista e fonte, trocando conhecimentos, pensando e criando juntos novas fórmulas de superar os desafios locais.
Escola de Notícias mantém vínculos saudáveis e profícuos com o Projeto Arrastão e com a Ação Comunitária, duas das maiores ONGs do Campo Limpo, que abriram suas portas, após uma natural resistência inicial pela idade do empreendedor, e legitimaram a alta qualidade do trabalho oferecido.
Por conta do jornal "Viver Campo Limpo", uma rede importante está sendo formada com o comércio do bairro, com a presença da franquia de escola de inglês Wizard e o estúdio Atacama, que, além do anúncio, passam a incentivar outras pessoas a anunciarem, uma vez que permite o contato direto com o público-alvo dos seus serviços.
Os patrocinadores são: Ação Comunitária, Projeto Arrastão, Edital VAI (Prefeitura de São Paulo), OBB, Grupo Artemanha e Pélagos.
O orçamento de 2013 é estimado em R$ 60 mil.
A realidade escolar dos jovens beneficiados contrasta com a forma atraente que a comunicação (ou educomunicação) é apresentada aos estudantes, estimulando sua autonomia na aquisição de conhecimentos e de ferramentas que poderão ser usadas no futuro para geração de renda ou como diferencial em outras áreas em que venham atuar.
Foram beneficiadas 600 pessoas pelos dados registrados em relatórios de atividades apresentados pelo empreendedor. No início houve um número maior de pessoas impactadas, que diminuiu à medida que focaram o tipo de serviço prestado, com mais qualidade e profundidade.
Bairro do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Se fosse uma cidade, poderia ser considerada o 29º maior município do país, com mais de 600 mil moradores, segundo a subprefeitura do distrito.
O método está em fase avançada de sistematização, com previsão do primeiro produto (livro) para dezembro e pode ser replicado para outras cidades do Brasil. O empreendedor social afirma ter iniciado conversa com órgãos públicos e parceiros a respeito.
O Instituto Escola de Notícias posiciona-se, segundo Tony, como uma empresa do setor 2,5, de negócios sociais, baseado na definição do Nobel da Paz Muhammad Yunus, sendo "projetado para atingir um objetivo social dentro do mercado altamente regulado de hoje". Segundo ele, "é diferente de uma organização sem fins lucrativos, porque deve buscar gerar um lucro modesto, que será usado para expandir o alcance da empresa, melhorar o produto, o serviço ou de outras maneiras que subsidiem a missão social".
1) Escola de Comunicação Comunitária
"Menina do olhos" da organização, o piloto está sendo executado desde abril, com o recurso-semente do Programa VAI, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Foram selecionados 30 jovens de escolas da região e um universitário para a formação, que tem carga total de 234 horas.
O conceito é de uma jornada de aprendizagem em comunicação (vídeo, jornalismo, rádio, fotografia), desenvolvimento pessoal (utilizando conhecimentos da antroposofia e Jornada do Herói) e de tecnologias sociais de mobilização. Os encontros ocorrem duas vezes por semana, e uma aula é dada pelos próprios jovens para eles mesmos.
Após a conclusão da formação, haverá acompanhamento de um ano do desenvolvimento de cada participante
2) Ideia em Pixel
No formato de incubadora do Núcleo de Empreendedorismo do Projeto Arrastão, o Escola de Notícias faz uma assessoria técnica em comunicação para criação de um empreendimento na área de produção de vídeo, escolhido pelos próprios participantes, que batizaram o projeto. São alinhados habilidade e conhecimentos técnicos e administrativos com a vontade de empreender em conjunto. O grupo começou com mais de 20 pessoas até chegar aos quatro membros atuais, que se assumiram empreendedores e já possuem clientes para suas produções no Campo Limpo. Carga de 60 horas, distribuídas em 20 encontros.
3) Jornal "Viver Campo Limpo"
Com tiragem de 10 mil exemplares mensais, a publicação é entregue gratuitamente na casa dos moradores. Os anunciantes são os próprios comerciantes locais, que podem ter contato direto com o público-alvo. As matérias buscam reforçar os aspectos positivos da região, resgatando histórias e personagens. Está na terceira edição.
4) Núcleo AMJ
Formação técnica em comunicação para jovens de organizações sociais ligadas à Ação Comunitária do Brasil para tornarem-se lideranças nas comunidades. Também são responsáveis pela produção e pela edição da revista "Jovem F5", com circulação local semestral.
5) Oficina de Comunicação: realizada na Associação Santa Amélia com pré-adolescentes em situação de risco no contraturno escolar, desenvolve habilidades de comunicação, leitura e expressão e, ao mesmo tempo, autonomia e responsabilidade, com uso de linguagem audiovisual e cocriação de um produto audiovisual.
DEPOIMENTOS
"Trabalhamos numa região de extrema vulnerabilidade, em que 90% das famílias têm a mãe como chefe e que a figura paterna muitas vezes não existe ou tem privação de liberdade. Quando o Tony veio para cá com o projeto de educomunicação mexeu bastante com as crianças. Elas ficaram muito animadas. Ele oferece uma chance de elas ampliarem os conhecimentos e poderem vislumbrar um futuro melhor"ANA MARIA ALVES SILVA, 55,
gerente de serviços da Associação Parque Santa Amélia
"Antes de conhecer o Tony, eu nem tinha ao certo o que queria ter como carreira. Hoje não, após ter aprendido sobre audiovisual, direção, trabalhar com câmera, edição. E não tenho palavras para mensurar a minha felicidade e da minha família quando ligo a TV e vejo um vídeo editado por mim, que viajou o país e está sendo visto por muitas pessoas. É poder trabalhar com o que gosto, poder me sustentar no futuro com isso" MATHEUS CARDOSO DE LIMA, 18,
estudante e um dos sócios da empresa Ideia em Pixel
"O Escola de Notícias faz pontes, aflora o talento da pessoa, mesmo fora do jornalismo. Propõe um olhar crítico. Através dele consegui ir para a Romênia, em um programa que envolvia jovens empreendedores e comunidades carentes. Fui dar um workshop de comunicação comunitária. Era o Campo Limpo na Europa"
FRANCIELE MEIRELES CESAR, 21,
estudante e integrante da Escola de Notícias
"Considero o Tony um trabalho alcançado. Ele sempre foi muito arrojado, talentoso e sonhador. Hoje, no local onde vivemos [Campo Limpo], em que há um poder paralelo, o das drogas, que assedia o tempo todo, ele é uma coluna, uma referência para os jovens da comunidade, alguém que dialoga, questiona, quebra paradigmas. E vem numa crescente, como uma pedra bruta sendo lapidada por uma série de trabalhos que vem realizando, seja quando está ajudando jovens a empreender, seja quando lhe dá formação, oportunidade e voz"
SELMA DAU BERTAGNOLI, 56
gestora do Projeto Arrastão, organização social que, desde 1968, trabalha com crianças, jovens e adultos no Campo Limpo
"A gente costuma dizer que nos menores frascos estão os bons perfumes. Assim é o Tony. Ele aceita desafios, conhece os problemas dos jovens e tapou uma lacuna aqui na nossa região. Com o audiovisual e o jornalismo, ele dá ao jovem a ferramenta para se expressar e mudar sua vida. A inquietude dele tem levado a transformar a vida das pessoas"
HENRIQUE ALBERTO HEDER, 58,
coordenador do Núcleo de Empreendedorismo do Projeto Arrastão 113
"Aqui não temos a estrutura familiar formada por pai, mãe, filho e cão. Há muitas famílias desestruturadas, seis, sete irmãos, pais diferentes, sem figura paterna e materna muitas vezes. E o Tony consegue dialogar, mudar a autoestima, instrumentalizar o jovem."
MÁRCIO SNO (MÁRCIO MITIO KANNO), 38,
jornalista e coordenador da Área de Cultura da Ação Comunitária
"O Tony é um sonhador e, quando o que faz dá certo, é muito louco. Eu sou fruto disso. Conheci ele com 17 anos. Ele me ensinou muitas coisas: parceria, compromisso, cuidado no trato com as pessoas."
KAROL ALCÂNTARA COELHO, 21,
universitária de jornalismo e sócia do Escola de Notícias