Administrador cria negcio inovador para reformar habitao em favela
Aos sete anos, Fernando Assad, 32, via a me gerar o sustento para os dois da cozinha do apartamento na Alameda Baro de Limeira, centro de So Paulo. Ela preparava lanches para vender em prdios comerciais da vizinhana.
Ex-secretria, Alcione Amiky, 64, virou sacoleira at comear a produzir uniformes numa pequena fbrica domstica. "Precisava de dinheiro para sustentar meu filho e ficava de olho nas oportunidades", diz a microempresria de origem libanesa.
Foi com a me que o administrador de empresas, formado pela USP em 2009, aprendeu a enxergar potenciais negcios.
Ainda na universidade, aos 21 anos, Assad fundou sua primeira empresa, uma consultoria para elaborao de projetos na rea social.
A colega Carolina Rolim viraria sua scia durante uma "cervejada" da ECA (Escola de Comunicao e Artes). Ela o convidou para participar de um projeto da Fundao Avina, ONG sua ento dirigida no Brasil por Aerton Paiva, o grande mestre de Assad fora da universidade. "Com ele aprendi a inovar e a planejar nos negcios", diz o pupilo.
INTERCMBIO NO NORTE
Era a oportunidade para o universitrio se mudar para o Amap, mesmo tendo de trancar o curso por dois anos. No fim de 2004, Assad passou a gerenciar em campo um projeto de atendimento s comunidades quilombolas do Estado, patrocinado pela Avina e pelo Banco Mundial.
Ficou no Norte at o fim de 2006. "Foi meu intercmbio." Ali conheceu, literalmente, um outro pas. "No d para ir para l com o relgio da eficincia paulistana."
O primeiro cliente e a empreitada de estreia definiram um conceito de trabalho para o jovem consultor. "Nunca fiz consultoria dentro do escritrio. Sempre algum da equipe ia aos lugares", explica Assad. E foi no Amap que ele mergulhou na busca de solues para problemas sociais, embrio de sua segunda empresa, o Programa Vivenda.
At chegar ao modelo de um negcio social na rea de habitao popular, o administrador encontrou pelo caminho um segundo mestre. Desta vez, o aprendizado se deu no Vale do Jequitinhonha, em Minas, onde foi trabalhar com Tio Rocha, mentor do CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) e vencedor do Prmio Empreendedor Social de 2007.
Com sua fala mansa, Assad conta que foi infectado pelo vrus "Tianus rochenses". "As MDIs (maneiras diferentes e inovadoras) de fazer negcio do Tio so inspiradoras." Sua consultoria Giral, j devidamente formalizada em 2007, foi contratada para elaborar o projeto Arassussa (Araua Cidade Sustentvel).
Dois anos depois l estava ele de novo trabalhando com Tio na urbanizao da favela do Pantanal, na zona leste de So Paulo, a maior feita com dinheiro do PAC (Programa de Acelerao do Crescimento). "A gente ficava tiozando todo dia", brinca Assad.
O projeto abriu para o ento formando uma segunda oportunidade. Como era realizado para a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), Assad conheceu ali os dois outros fundadores do Vivenda, Igiano Lima e Marcelo Coelho, que atuavam no rgo e virariam seus scios em 2013.
De cada mestre, Assad foi pegando inspirao para o Vivenda. Do Amap, aprendeu a ouvir as demandas da comunidade. Do Vale do Jequitinhonha, trouxe a ideia de kits de reformas. Identificou assim o nicho de oferecer pacotes de melhoria habitacional a baixo custo em favelas.
"O Brasil tem um deficit de 6 milhes de moradias e um deficit qualitativo de 12 milhes que precisam de reformas", contabiliza Assad.
CAUSA HABITACIONAL
Seu interesse pela problemtica habitacional antigo, tanto que a mulher Maira Nunes, 32, brinca: "Eu tento me convencer de que acima da causa est s o casamento".
O conceito de negcio social que ataca o problema habitacional por quatro frentes -crdito, assistncia tcnica, mo de obra e material- virou tema da dissertao de mestrado, sob orientao de Graziella Comini.
"Fernando foi um aluno diferenciado do mestrado por ser mais prtico e empreendedor", diz a professora, que coordena o Centro de Empreendedorismo Social da USP. "Ele tambm participou ativamente do desenho da disciplina de empreendedorismo social."
Ativismo que levou Assad a fundar ainda na graduao o Alfa-USP, curso de alfabetizao ministrado por universitrios. A veia empreendedora se manifestou desde o ensino mdio, no Colgio Rio Branco, bancado pelo pai, Gilberto Assad. "Reabri o grmio", conta ele. Os armrios instalados na sua administrao permanecem at hoje nos corredores da tradicional escola particular, segundo ele.
VEIA EMPREENDEDORA
Assad revela no rosto moreno, nos cabelos negros e na barba cerrada traos da descendncia srio-libanesa. Seu bisav nasceu em Homs, na Sria, e se casou no navio que o trouxe para o Brasil. "Ele era uma figura superempreendedora", diz o bisneto.
O velho Assad construiu vrios prdios na Vila Mariana, ganha-po dos herdeiros at hoje. O ramo de construo est no sangue. Assad, o jovem empreendedor, s no gosta mesmo de lidar com aspectos prticos, como cobrana de clientes. "Brinquei com meu pai que eu no administrava os imveis da famlia, mas acabei tendo que fazer gesto de inadimplncia no Vivenda."
Assim como na fase de consultor, Assad agora tambm acompanha seu negcio in loco. Todos os dias, ele sai de sua casa, no Butant, bairro de classe mdia alta na zona oeste, e se dirige para o Capo Redondo. O escritrio do Vivenda em meio ao Jardim Ibirapuera. Dali, ele observa os barracos, onde moram seus potenciais clientes.
"Na favela, a casa um show de horrores", diz ele, maestro de uma orquestra que tenta transformar cmodos insalubres. "O primeiro banheiro que reformamos virou ponto turstico", conta o empreendedor social que realiza obras financiadas por microcrdito, fornecido pelo Banco Prola, ou com subsdios em parceria com o Instituto Azzi, que arca com 90% dos custos.
Foi assim que a dona de casa Abigail Pellegrini, 46, moradora da favela da Erundina ganhou um banheiro novinho, pagando dez prestaes de R$ 90. "O Fernando caiu do cu!", diz ela ao ver o scio do Vivenda subir as escadas enferrujadas que levam ao barraco onde se destacam os ladrilhos brancos do cmodo recm-reformado.
" o lugar que as visitas mais visitam. Antes, eu morria de vergonha. Agora, deixo at a porta aberta", diz a cliente, escancarando o sorriso de quem anseia por uma nova reforma, desta vez em seu quarto mal ventilado.
CLIENTELA DE FAVELAS
Com o lema de oferecer reforma de baixo custo e alto impacto, o Programa Vivenda realizou 134 projetos no ltimo ano e meio em favelas da Zona Sul de So Paulo.
"As polticas pblicas no operam com melhorias, apenas com construo", analisa Fernando Assad, 32, scio do negcio social que nasceu para atender uma clientela esquecida pelo governo e pela iniciativa privada.
o caso do segurana Antnio Menezes da Silva, 51, que contratou a Vivenda para reformar o seu banheiro. "O piso era de cimento, gelado. O chuveiro tinha um fio exposto que minha mulher falava que dava choque", relata. "Agora tenho um banheiro digno."
Satisfeito com o resultado e com o preo (R$ 900), Silva contratou de novo a Vivenda para fazer melhorias na cozinha. Ele acompanha de perto o trabalho do pedreiro e do ajudante destacados para tocar a obra a ser concluda em tempo recorde. Cinco dias o que dura, em mdia, as empreitadas de Assad e companhia.
"Na favela, difcil ter o material, encontrar a mo de obra", reconhece o pedreiro Mauro Simo Dias, que antes de trabalhar na Vivenda, raramente pegava reforma na regio. "O mesmo servio que fao no Morumbi, fao aqui", diz ele, referindo-se ao bairro nobre, onde antes costumava ser contratado.
Tas Genovez, 21, estagiria de arquitetura, tambm uma novidade na favela. "Aqui ningum conhece quem projetou a casa", diz a estudante da USP. "Arquiteto coisa de novela."
Na vida real, ela lida com todo o tipo de carncia na hora de avaliar os cmodos mais necessitados de reforma e o perfil de seus donos.
Tarefa que desempenha ao lado de uma assistente social. Elas analisam a parte tcnica e tambm as chamadas patologias habitacionais, que originaram os kits de reforma oferecidos pela Vivenda: banheiro, antiumidade, ventilao e revestimento.
A manicure Maria Aurineide de Oliveira, 46, quer se livrar do mofo das paredes da sala da casinha que foi ajeitando aos poucos na favela da Erundina, onde mora h 18 anos, vinda do Cear.
Est na fila para conseguir mais um emprstimo do Banco Prola e assim poder contratar a Vivenda para reforma a sala, a exemplo do que fez no banheiro. "Acabei de pagar a ltima prestao. Se no fosse em 12 meses em no teria conseguido reformar", festeja ela, beneficiada pelo sistema de microcrdito, com juros mais baixos, que lhe permitiram bancar a primeira reforma de cerca de R$ 2.500.
"Minha casa meu porto seguro, por isso tento deixar aconchegante, limpa e organizada", diz ela, sentada no sof de forros de fuxico e cercada de imagens de santos e mandalas pintadas pela filha.
Seu cantinho um carto de visitas da Vivenda. "Nosso objetivo levar dignidade para os moradores da favela", diz Assad. " uma mudana que vem de dentro."
Assista
Conhea mais sobre a Programa Vivenda
Inquieto por natureza, Fernando Assad o tipo de pessoa que "arregaa as mangas" para fazer acontecer. No colgio organizou as primeiras eleies do grmio estudantil (fechado desde a ditadura), na faculdade ajudou a criar o Alfa-USP, programa de alfabetizao de adultos voltado comunidade do campus e na vida profissional sempre empreendeu seus prprios negcios.
Possui bacharel e mestrado em administrao pela Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo (FEA-USP). Sua dissertao de mestrado foi uma pesquisa-ao intitulada: "Negcios Sociais no Brasil: Oportunidades e Desafios para o Setor Habitacional", que serviu de base para a criao do Programa Vivenda.
O mercado imobilirio brasileiro passou, nos ltimos anos, por um perodo de aquecimento impulsionado pela oferta de crdito, por programas de governo, o principal sendo Minha Casa Minha Vida, e pelo aumento da renda. Entre os anos de 2007 e 2011, o PIB da construo civil expandiu 83,5%. No mesmo perodo, o total de empresas ativas na construo civil passou de 52,9 para 92,7 mil (Conjuntura da Construo, 2013).
Apesar do crescimento do mercado, muitas famlias ainda no possuem condies adequadas de moradia. O dficit habitacional quantitativo de 6,94 milhes de unidades e cerca de 11 milhes de domiclios brasileiros so considerados inadequados (Joo Pinheiro, 2010). Essa realidade fora milhes de famlias brasileiras a viverem em condies insalubres sem acesso a servios bsicos como iluminao eltrica, abastecimento de gua com canalizao interna e rede de esgoto, entre outros.
Nas ltimas dcadas com o avano da implantao de polticas habitacionais, a questo da habitao de interesse social recebeu uma maior atuao tanto de empresas de construo civil como de organizaes sem fins lucrativos. Contudo, nenhum desses atores conseguiram atender as necessidades da parcela da populao mais vulnervel: as famlias que ganham entre zero a trs salrios mnimos por ms.
A proposta inovadora do Programa Vivenda baseia-se na operao de um modelo integrado de reforma, "dando acesso populao da base da pirmide a uma reforma planejada e de qualidade". Utilizando a lgica de mercado, a organizao atua na melhora qualitativa das casas de baixa renda. Esse modelo integrado oferece ao cliente a oportunidade de contratar um projeto de reforma com comeo, meio e fim, no qual sabe exatamente quanto ir gastar.
Busca tambm influenciar na estruturao desse mercado de reformas para baixa renda. Suas principais estratgias para isso so: (i) elaborar seu prprio modelo de financiamento e (ii) estabelecer parcerias com a indstria de materiais de construo para pensar solues mais eficientes e baratas de venda de seus produtos, ao mesmo tempo que procura fomentar o comrcio local.
Ademais, possui potencial para inovao continua. Em 2016, planeja inaugurar seu primeiro escritrio dentro de uma loja de construo do bairro na lgica de "one stop shop", no qual se vendem servios de reforma dentro da prpria loja. Outro projeto a viabilizao de um carto fidelidade pelo qual seus clientes tero acesso a uma srie de benefcios que contribua para o bem-estar de sua famlia oferecendo descontos e gratuidade com organizaes parceiras.
Atualmente a prioridade da organizao aprimorar o modelo de venda e suas principais metas so estabelecer um funil de vendas e uma soluo financeira. Acredita-se que, ao completar 500 reformas no final dessa fase (prevista para novembro de 2016), seu modelo de venda e operao ser validado. No incio de sua operao cinco reformas eram concludas por ms, hoje esse nmero est em 20. Estima que a conta do modelo se fechar ao reformar 40 casas ao ms.
No curto prazo os recursos so viabilizados por meio de doaes, emprstimos e demais investimentos (j chegaram a recusar investimento de venture capital pois primeiro querem validar o modelo). A mdio e longo prazo se tem como principal estratgia de sustentabilidade financeira a proposta de escalar o modelo por meio de escritrios comunitrios (que por princpio devem ser financeiramente sustentveis).
Graas a uma parceria com o Instituto Azzi, o modelo de venda subsidiado foi estruturado. No entanto, atualmente, o Vivenda s tem vazo para realizar as reformas subsidiadas e o seu modelo de negcio social em si ainda no se provou financeiramente sustentvel, ainda que tenha potencial.
At o incio de setembro de 2015, foram realizadas 134 reformas beneficiando diretamente 603 pessoas na favela da Erundina, zona sul de So Paulo. Na primeira fase de operao, encerrada em abril deste ano, constatou-se que 85% dos clientes so famlias com at trs salrios mnimos por ms, sendo que 82% dos clientes so mulheres. Por meio das reformas subsidiadas o Programa Vivenda consegue atingir as famlias mais vulnerveis: as que ganham at 1,5 salrio mnimo por ms.
Outro impacto relevante a fomentao da economia local. Todo o material comprado com fornecedores locais. A mo de obra recrutada entre os prprios moradores da regio e o salrio oferecido est acima do mercado - todos possuem carteira assinada. Alm do benefcio monetrio, ganham em qualidade de vida, j que moram na prpria comunidade e no precisam gastar dinheiro nem horas de deslocamento para chegar ao trabalho alm de terem a possibilidade de almoar em casa.
Ainda no h indicadores e mtrica claras de resultados como indicadores de melhoria na sade por conta da reforma, mas h depoimentos de clientes relatando tal melhora. No momento conversam com profissionais da rea de sade para estabelecer um marco zero para em seguida elaborar tais indicadores.