Osso do pé é implantado na mão de clarinetista
Por quase dois anos, as dores da mão direita do clarinetista Frederico Cesar Leite, 28, foram confundidas com tendinite. E tratadas com anti-inflamatórios orais e injetáveis, fisioterapia e cirurgia.
A verdadeira razão da dor, porém, escondia-se sob o osso metacarpo do dedo indicador: um tumor ósseo de células gigantes. Era benigno, mas tinha alto grau de agressividade e poderia levar o músico a perder parte da mão.
"Saí do consultório chorando, desesperado. Toco clarinete desde os 12 anos. Comecei a fazer o cálculo do fundo de garantia e a pensar no que faria da vida sem a música", diz Leite, que à época dava aulas de clarinete e integrava orquestra e banda sinfônica do Estado.
Bruno Poletti/Folhapress | ||
Frederico César Leite, 28, é clarinetista e teve um tumor ósseo no dedo; em uma microcirurgia, conseguiu tirar tendão e artérias do pé e transplantar para a mão, recuperando os movimentos do dedo |
O que o músico não sabia é que a sua salvação viria do pé. O ortopedista Emygdio José Leomil de Paula, médico do grupo de mão do Hospital das Clínicas de São Paulo, propôs amputar um dedo do pé e usar o osso para substituir o que seria tirado na mão
.
A cirurgia foi feita em duas etapas. Na primeira, em julho de 2011, o médico retirou o tumor que ocupava todo o segundo metacarpo. "Também tiramos musculatura e pele que tinham contato com o tumor e preservamos o tendão", explica o médico.
No lugar do osso, foi colocado um espaçador de acrílico para preservar a região e evitar que fosse fechada no processo de cicatrização.
Segundo Emygdio de Paula, como é alto o índice de recorrência do tumor-de até 40%-, é recomendado esperar pelo menos três anos para colocar o implante.
A segunda cirurgia, porém, foi antecipada para março deste ano por dois motivos: Leite havia ganhado uma bolsa para estudar música na Holanda e, ao mesmo tempo, o espaçador quebrou.
Após o dedo do pé direito ser amputado, osso, pele, artéria e veias foram usados para reconstruir a mão (veja quadro). A cirurgia durou nove horas. "Dez dias depois, ele já mexia o indicador. Um mês depois, estava tocando", diz o médico, mostrando vídeo com apresentação de Leite.
QUATRO DEDOS
A operação envolvia riscos. O principal era o implante "não pegar" em razão de entupimento da artéria. "Isso ocorre mais em casos de amputação por traumas, mas pode acontecer com tumores também", explica De Paula.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress | ||
De malas prontas para morar na Holanda, Frederico afirma que sempre confiou que sua mão seria preservada, mesmo em momentos cruciais, como quando esperava o resultado da biópsia para saber se o tumor era maligno ou benigno.
"Foi um alívio. Mas dentro de mim, tinha a certeza de que voltaria a tocar."
Outro momento difícil, conta, foi quando soube que perderia o dedo do pé. "Pensava que pudesse tirar o osso e preservar a parte estética."
A ideia de "ficar faltando alguma coisa", também o assustou de início. Agora, diz ele, isso é passado.
"Gosto do meu pé assim, com quatro dedos. Não me atrapalha em nada. É motivo de orgulho saber que uma parte do meu corpo salvou a outra. Quando olho para o pé, penso: 'Não está faltando nada. Só mudou de lugar'."
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