Campeões mundiais, handebol e vôlei do país definham em ligas nacionais
Título mundial inédito conquistado em dezembro. Tricampeão mundial e chance de obter o tetra neste ano.
Este são, respectivamente, o handebol feminino e o vôlei masculino do Brasil. Melhores seleções do mundo.
Os torneios domésticos das modalidades, porém, não acompanham o sucesso.
No vôlei, a crise atinge até o atual campeão nacional.
Sem dinheiro após a saída do principal patrocinador, o RJ Vôlei viu uma debandada.
Cinco jogadores, todos com passagens pela seleção, saíram. Outros dois têm salários atrasados até hoje.
No handebol, os times que disputam Liga Nacional sofrem com a pouca estrutura.
O último campeonato feminino teve três adiamentos.
No fim, começou em setembro e acabou em novembro, de maneira atropelada, por causa da realização do Mundial da Sérvia, que acabou vencido pela seleção.
"O plano inicial era que a liga começasse em maio", resume Alexandre Schneider, técnico de Concórdia (SC), atual campeão brasileiro.
O problema não é dinheiro. As confederações brasileiras de vôlei (CBV) e handebol (CBHb) recebem repasses milionários do governo e do Comitê Olímpico Brasileiro.
Só da Lei Piva, a CBV vai receber este ano R$ 3,9 milhões –a CBHb terá R$ 3,7 mi.
O Ministério do Esporte tem convênio de R$ 10 milhões para o vôlei de quadra, e paga R$ 9,4 milhões para preparar as seleções de handebol para os Jogos Rio-2016.
Na visão dos atletas, liga nacional e seleção não deveriam ter tanta disparidade.
"Para a seleção estar bem é preciso que a Superliga esteja bem", diz Bruninho, capitão da seleção que trocou o Rio pelo italiano Modena.
A CBV ainda tem contrato de direito de transmissão dos jogos da Superliga e das seleções masculina e feminina com a Rede Globo. Mas não há repasse para os clubes.
Valores e tempo de acordo não foram divulgados pela entidade nem pela emissora, devido à cláusula de confidencialidade no contrato.
"O peso para a seleção e a Superliga é igual na CBV. Cada um tem seus problemas", diz o ex-jogador Renan dal Zotto, hoje gestor institucional e de marketing da CBV e também da Superliga. "São todos filhos, dos [times] maiores aos menores. A Superliga é como uma família."
Danilo Verpa/Folhapress |
Danilo, do Montes Claros, reage após ponto do São Bernardo em jogo da Superliga |
VÔLEI
Se a Superliga é uma família, o Montes Claros se assume como primo pobre.
Campeão da Superliga B na última temporada, o time, que atuava em Goiás, se mudou no meio de 2013 para o norte de Minas Gerais após o acesso à elite do Nacional.
Mas a mudança não foi para atrair torcida ou patrocinadores. Foi para sobreviver.
O projeto não conseguiu captar com governo e iniciativa privada os R$ 2,5 milhões que precisava. Ficou devendo salário aos jogadores.
Hoje, o nono colocada do torneio nacional masculino sustenta-se com R$ 1 milhão para pagar as despesas de toda a temporada, de setembro a abril.
As principais equipes têm orçamentos de até R$ 10 milhões. "O vôlei do Brasil é diferente do vôlei no Brasil", diz Paulo Martins, presidente do clube.
Para seguir na Superliga, os jogadores aceitaram reduções salariais que variam de 50% a 60%. Mas cinco deles deixaram a equipe, que tem apenas 12 atletas para jogar.
Diretores e assessores também saíram. "Se não tiver uma medida, a Superliga vai falir", afirma Martins.
Para poupar verba, na última rodada do ano passado jogadores foram de metrô ao jogo contra o RJ Vôlei, no ginásio do Tijuca Tênis Clube. Como o hotel era perto, a comissão técnica foi a pé.
Na época, os cariocas também já sofriam com a crise que deixou parte dos jogadores com quatro meses de salários atrasados. Tudo piorou com a saída da OGX, empresa do grupo de Eike Batista, que liderava o projeto.
"Aceitei sair para não ser conivente com a situação. Os atletas são coniventes. A CBV é conivente. O produto da CBV é a seleção, a Superliga apenas entra no pacotão. Isso, daqui a 20 anos, vai refletir na seleção", afirmou Thiago Sens, ponteiro que foi jogar no Al Jazeera após ficar quatro meses sem receber.
O RJ Vôlei tem somente dez atletas no elenco e está na quinta colocação da Superliga. O time até tentou inscrever novos jogadores no último mês, mas os outros times não aprovaram a manobra.
As equipes de Volta Redonda e de São Bernardo tiveram dificuldades no início da Superliga mas não devem salários atualmente, apesar dos orçamentos reduzidos.
A Superliga feminina não tem times em tal situação. Porém, alguns deles não possuem um patrocinador principal.
Entre homens e mulheres, no entanto, grande parte dos atletas não tem carteira de trabalho assinada e jogam com base em contrato de direito de imagem, plano de saúde e alguns benefícios acordados com os clubes.
"Para o ano que vem queremos criar algum mecanismo de segurança para clubes e jogadores, com contratos mais bem feitos e com os patrocinadores com um vínculo com a CBV", diz o gestor da Superliga, Renan dal Zotto.
Danilo Verpa/Folhapress |
Treino da seleção brasileira, sem atletas que atuam fora do país, em São Bernardo |
HANDEBOL
O handebol tem uma realidade menos rica que o vôlei.
Enquanto os times da Superliga possuem milionárias folhas de pagamento, os da Liga Nacional sobrevivem como podem. "O maior salário de uma atleta top é R$ 5 mil", diz Alberto Rigolo, da Metodista, time mais tradicional do esporte no Brasil.
Técnico da seleção masculina nas Olimpíadas de Atlanta-1996 e Atenas-2004, ele se tornou crítico da política de intercâmbio da CBHb.
A entidade tinha desde 2011 um acordo com a equipe austríaca Hÿpo No, mas o vínculo foi oficialmente encerrado na última sexta.
O Hÿpo funcionava como base do time nacional feminino campeão mundial –seis atletas que foram ouro no torneio defendiam a equipe.
A confederação brasileira, porém, já anunciou que procura um outro clube para consolidar nova parceria.
Para corroborar a tese de Rigolo, as atletas nem cogitaram voltar a atuar no combalido handebol nacional.
A ponta Alexandra Nascimento, eleita a melhor do mundo em 2012, nem bem deixou o Hÿpo e fechou com o Baia Mare, da Romênia.
Mesmo rumo tomou a goleira Babi, que integrou a seleção do Mundial e também assinou com os romenos.
Atleta do Hÿpo há 11 anos, Alexandra planeja se aposentar depois dos Jogos do Rio-2016, engravidar e "voltar para o projeto" do clube austríaco, qualquer seja o cargo.
"A confederação optou por mandar jogadoras para a Europa e, assim, atuarem em alto nível. Mas pagamos um custo alto. Isso esvaziou a Liga Nacional", afirma Rigolo.
Esvaziou mesmo. Do time que fez história na Sérvia, apenas quatro atletas atuavam dentro do Brasil.
Uma delas, Amanda, defendeu o Concórdia (SC), campeão da liga. "Mas acho que vamos perdê-la, porque ela tem proposta para ir para a Europa", conta Alexandre Schneider, técnico dela.
"Não sei quando, mas é o caminho natural sair", ratifica a jogadora da seleção.
Schneider faz o que pode com o orçamento de R$ 350 mil que tem para manter o time no ano. "O ideal seria ter uns R$ 700 mil, mas a curta duração da liga afugenta os parceiros", declara.
Segundo os técnicos ouvidos pela Folha, a CBHb ainda não informou a data de início nem o tempo de duração da Liga Nacional deste ano.
Essa incerteza preocupa. Porque, para os clubes, disputar o torneio ainda sai caro. Eles arcam com despesas de passagem e hospedagem e parte do custeio da arbitragem –a CBHb paga a outra parte do devido aos árbitros.
"A promessa da confederação é que haverá uma ajuda maior em 2014. No ano passado, coloquei R$ 30 mil do bolso para continuarmos competindo", diz Gabriel Citton, técnico de Caxias do Sul.
Além de dirigir a equipe, Citton também trabalha na secretaria de esportes da cidade. Foi o dinheiro ganho na pasta que ajudou a completar o orçamento de R$ 280 mil que tem à disposição na agremiação esportiva.
Segundo Schneider, em 2012 a CBHb afirmou aos clubes que havia um projeto de a liga ser toda bancada pelo Ministério do Esporte.
"Só que isso nunca rolou. Agora, o papo voltou e pode ser que aconteça. Seria uma boa alternativa para reerguer a competição", declara.
O próprio técnico da seleção feminina, o dinamarquês Morten Soubak, é contumaz crítico da Liga Nacional.
"Nossas ligas nacionais ainda estão muito, muito longe do nível das europeias. Precisamos fortalecê-las", disse à Folha, logo após o título Mundial.
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