Campeões de 63 comentam derrota do polo aquático na final e criticam gestão
Marlene Bergamo/Folhapress | ||
Ivo Carotini (centro), Flavio Ratto (esq.) e Luiz Eduardo Lima (dir.) seguram a bola do título em piscina do Pinheiros |
Luis Eduardo Lima, 70, Flávio Ratto, 83, e Ivo Carotini, 72, continuam sendo alguns dos raríssimos atletas brasileiros do polo aquático que podem se gabar de terem conquistado uma medalha de ouro pelo país nos Jogos Pan-Americanos. Há 52 anos, eles foram titulares da seleção que conquistou a medalha de ouro no Pan de São Paulo, a única do país nesta modalidade na história da competição. Nesta quarta (15), o Brasil perdeu para os Estados Unidos e não conseguiu repetir o feito do passado.
Em sites especializados internacionais, Lima, Ratto e Carotini são tratados como lendas da modalidade. Nos corredores do Pinheiros, clube que foi a Meca do aquapolismo na época e que mandou 14 jogadores para os times de polo do Pan de Toronto, o trio é reverenciado por sócios e diretores– "heróis beneméritos", "é uma honra encontrar o senhor" são algumas das frases com as quais são recebidos por onde passam.
Amigos até hoje, eles ainda conversam apaixonadamente sobre o polo aquático. Com memória privilegiada, Ratto relembra de cor escalações completas de equipes como o primeiro grupo do Pinheiros e as seleções mexicana e argentina de 1963.
Sobre a derrota da seleção masculina nesta quarta (15) na disputa pelo ouro, Lima destacou a qualidade dos norte-americanos, que ele também enfrentou no último jogo do Pan de 1963 -com o título garantido, eles empataram.
"Os Estados Unidos se preparam muito bem, especialmente em competições que dão vaga para a Olimpíada. Eles levaram uma equipe muito forte. Não era uma derrota esperada, mas sabia-se que seria um jogo difícil", disse Lima logo após o fim do jogo.
Ainda assim, ele valoriza a medalha de prata conquistada pelo grupo.
"É muito importante. Toda conquista que servir para divulgar o polo é importante", completa.
"O time é muito bom. O técnico [Ratko Rudic] é excelente, dá treinamentos diferenciados. Com ele, estamos nos equiparando aos americanos, mas ainda não estamos no nível de Croácia, Hungria. É um time para ficar entre os cinco primeiros na Olimpíada do Rio. Não acredito em medalha", explica Lima, apoiado pelos demais.
"Não deve passar dos seis primeiros", acrescenta Ratto.
Divulgação/Centro Pró-Memória Hans Nobiling/Esporte Clube Pinheiros | ||
Equipe masculina de polo aquático que foi campeã do Pan de 1963, em São Paulo |
FORMAÇÃO PROBLEMÁTICA
A seleção brasileira que chegou à final deste Pan envolveu-se em polêmica ao convidar quatro jogadores nascidos fora do Brasil -um cubano, um croata, um espanhol e um italiano– para jogar pelo país.
Sobre isso, os campeões de 1963 concordam ao dizerem que não é o ideal, e que o problema está na gestão esportiva brasileira e o descaso na formação dos atletas jovens brasileiros.
"Tem coisas que sou contra. O Qatar chegou à final do Mundial de handebol neste ano, perdeu e só tinha estrangeiros na equipe. Quando o Qatar teve handebol?", questiona Carotini.
"Desde o nosso título, não houve um trabalho de gestão da formação de atletas. A Confederação não dá incentivo. Não existe a formação de base no Brasil. Não adianta trazer jogadores excepcionais se você não traz a formação junto. Para que serve o exemplo, nesse sentido? Para nada. Só para o Coaracy [Nunes Filho, presidente da Confederação Brasileira de Desportes Aquáticos] dizer que chegou à final do Pan-Americano", explica Lima.
Para eles, o lado positivo emerge da possibilidade de se aprender com os estrangeiros que aqui chegam.
"Tem o lado do ensinamento. O [Aladar] Szabo nos ensinou tanto. Ele era húngaro, naturalizou-se e continuou morando no Brasil. Mas não se pode fazer da naturalização um 'modus operandi'. Essa não é a solução racional para o esporte. Temos que andar com as próprias pernas", argumenta Carotini.
MEMÓRIA
Os três lembram com vividez suas trajetórias no polo aquático.
"Quando o polo aquático começou aqui no Pinheiros, acreditava-se que podia fazer mal ao coração. Só se permitia começar a jogar polo depois dos 15 anos de idade", diz Carotini.
"Na época da fundação da primeira equipe de polo do Pinheiros, em 1949, o técnico era o Kanichi Sato e ele era contra porque acreditava nisso. Foi uma briga danada", relembra Ratto, único fundador do polo no clube que está vivo.
Sobre as diferenças do polo atual para o de antigamente, eles destacam o amadorismo que vigia em seu tempo.
"Totalmente amador. Nunca ganhei 100 reais do polo aquático. Os prêmios eram as viagens e os campeonatos", diz Carotini, apoiado por Ratto, que relata que nunca ganhou "um tostão" do esporte.
Sobre o Pan de São Paulo, Lima lembra de certas limitações.
"Havia uma contenção de verba, então ele sofreu com muitas improvisações nas instalações. A vila olímpica foi na Universidade de São Paulo, onde estão os alojamentos hoje, e aproveitaram instalações existentes. Existia uma piscina nova no Palmeiras, que foi onde jogamos as partidas de polo", explica Lima.
Divulgação/Centro Pró-Memória Hans Nobiling/Esporte Clube Pinheiros | ||
Equipe masculina de polo aquático que foi campeã do Pan de 1963, em São Paulo |
A torcida teve dimensões extraordinárias para o polo. "Todos os jogos, apareciam de 10 a 12 mil pessoas. Os alunos de escolas eram convidados para assistir às partidas. O polo era uma coqueluche em meio à juventude", conta Carotini.
A vitória em 1963 não passou incólume nas trajetórias dos aquapolistas. Mais que a medalha, ela foi fundamental na formação profissional e moral dos jovens jogadores.
"Repercutiu na minha vida não só esportivamente, mas profissionalmente também. Em 1963, eu ainda não era universitário. Fui estudar no Mackenzie e recebia uma atenção especial da universidade. Também me ajudou a confiar no meu taco e não ser afoito, algo muito importante", conta o engenheiro Lima.
"Nós passamos a ser vistos como exemplos, modelos em nossa juventude. Sem falsa modéstia, viramos ídolos", diz Carotini.
"O grande resultado de praticar esporte de ponta é fazer muitos amigos, ganhar uma disciplina férrea e ter saúde para o resto de sua vida", conclui Ratto, que até hoje nada três vezes por semana.
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