Livro expõe Maradona muito além do craque fanfarrão
Carlo Fumagalli/Associated Press | ||
Maradona ergue troféu da Copa-1986, após vitória da Argentina contra a Alemanha Ocidental na final |
Entre nós, brasileiros, a imagem de Diego Armando Maradona se deteriorou a tal ponto nas últimas décadas que o ex-jogador argentino costuma não ser levado a sério.
As opiniões políticas controversas e o envolvimento com as drogas combinados com a rivalidade entre Brasil e Argentina, que frequentemente descamba para o desrespeito, ajudam a entender a visão que temos do Pibe de Oro como um fanfarrão. A esses pontos, acrescente-se ainda nosso escasso conhecimento do futebol argentino, onde surgiram Di Stéfano, Kempes, Tarantini, Fillol, Batistuta, Verón e, claro, Maradona e Messi.
"México 86 - Mi Mundial, Mi Verdade - Así Ganamos La Copa" é a chance de encontrar (ou reencontrar) Maradona por inteiro, sem que os estereótipos turvem o retrato.
É uma pena que o livro, com longos depoimentos do ex-atleta de 56 anos, organizados pelo jornalista Daniel Arcucci, não tenha sido lançado no Brasil. Para tanto, porém, existe o e-book.
O Maradona leviano não é de todo uma fantasia. Os rodeios dele ao recordar o gol de mão na partida contra a Inglaterra, pelas quartas de final dessa Copa deixam entrever uma ética frouxa, que faz ziguezague como os dribles impetuosos do craque. Se o árbitro validou "la mano de dios", como o gol ficou conhecido, então foi legítimo, conclui o argentino.
Mas não é essa faceta que emerge da obra. A paixão de Maradona pela seleção argentina permeia o livro do prefácio ao 12º capítulo.
Atleta do Napoli, ele encarou uma rotina exaustiva de viagens entre Itália e Argentina para participar dos jogos das Eliminatórias. Com a equipe classificada, preparou-se ao longo de três meses com o médico italiano Antonio Dal Monte. Depois de jogar nos finais de semana pelo Napoli, viajava para Roma às segundas-feiras para aprimorar seu condicionamento na clínica de Dal Monte a fim de chegar ao Mundial do México na plenitude física.
Não eram razões financeiras que o motivavam. Ganhava mais no Napoli, onde era idolatrado. O prêmio para o título, que foi conquistado na final contra a Alemanha (3 a 2), era US$ 33 mil. Pelo título na Copa do Brasil, em 2014, cada alemão recebeu cerca de US$ 970 mil, um valor 29 vezes maior.
Essa devoção à camisa azul e branca talvez explique a contundência dirigida a todos que, a seu ver, eram obstáculos ao avanço da seleção do país naquela Copa. Há mais de dez citações negativas ao técnico Carlos Bilardo. De acordo com o ex-jogador, a equipe não tinha um sistema tático definido a dois dias da estreia contra a Coreia do Sul. Culpa de Bilardo, a quem Maradona, como capitão, confrontou diversas vezes ao longo da competição.
Aliás, a disputa pela braçadeira de capitão contrapôs Maradona e o então zagueiro Daniel Passarella, que teve breve passagem como treinador do Corinthians em 2005. Passarela é descrito no livro como "oportunista", entre outros adjetivos pouco lisonjeiros.
Aliás, se harmonia no grupo ganhasse Copa, aquela Argentina não seria campeã, definitivamente. O estilo intempestivo de Maradona não o impediu de levar o time ao segundo título mundial –havia sido campeão pela primeira vez em 1978.
Divulgação | ||
Maradona marca com a mão o primeiro gol da vitória Argentina contra Inglaterra, por 2 a 1, na Copa-1986 |
Ele também critica a Fifa pelas arbitragens ruins e pelos horários das partidas. Para a conveniência das TVs europeias, Argentina e outras equipes foram obrigadas a jogar algumas vezes sob o sol do meio-dia no verão mexicano. "Olhe, dom Havelange, nós jogadores não somos escravos de ninguém, muito menos seus", disse o atleta durante o Mundial em referência ao cartola brasileiro que presidiu a Fifa entre 1974 e 1998.
A ligação com a seleção argentina não é a única obsessão que Maradona expõe no livro. Ele foi ao México disposto a se consagrar como o melhor jogador do mundo na época –e quem duvida que era mesmo o maior?
Na mesma partida da "mano de Dios", Maradona fez o que muitos consideram o mais belo gol da história das Copas. Após arrancar do meio de campo, driblou seis ingleses e marcou o segundo gol da sua seleção. O jogo acabou em 2 a 1 e levou a Argentina para a semifinal contra Bélgica.
Ao fim desta partida, como conta no livro, ele se sentia o melhor do mundo, à frente de Platini, Zico e Rummenigge. O francês, o brasileiro e o alemão são mencionados algumas vezes no livro, e as citações aos dois últimos são sempre respeitosas. Sobre Platini, contudo, o argentino revela repugnância por conta das relações do francês com Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa.
Curiosamente, Maradona não considera essa partida contra a Inglaterra como a sua melhor exibição na Copa. Aponta a vitória da Argentina sobre o Uruguai por 1 a 0 como seu ápice no Mundial, jogo em que não fez gol, mas protagonizou lances extraordinários.
No papel, Maradona não é tão é brilhante como era em campo. Há trechos do seu livro com excesso de informalidade e sobram informações redundantes. Ainda assim, é um relato precioso da Copa de 1986 aos olhos do maior craque argentino e do mais argentino dos craques.
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