Caixa-preta deve desvendar lacunas da queda de avião da Chapecoense
Aeronáutica Civil/Xinhua | ||
As caixas-pretas do avião da LaMia que caiu com o time da Chapecoense |
Uma sala com isolamento acústico e profissionais técnicos com pulseiras capazes de equilibrar a tensão elétrica entre o corpo e os equipamentos com que trabalham.
Será em um laboratório assim, em Farnborough, a aproximadamente 70 km de Londres, que a partir desta semana deverão ser decodificadas as duas caixas-pretas retiradas dos destroços do voo da LaMia que transportava a equipe da Chapecoense e caiu na última terça (29), antes de chegar ao aeroporto de Medellín, matando 71 pessoas.
Embora existam fortes indícios de que a aeronave não cumpriu as regras sobre a quantidade adequada de combustível e de que tenha sofrido uma pane seca, as informações obtidas a partir das caixas poderão explicar lacunas ainda não preenchidas sobre a tragédia.
O plano de voo apresentado antes da decolagem apontava que a aeronave tinha quantidade de combustível no limite para se deslocar entre a Bolívia e a Colômbia, sem nenhuma margem para riscos, como prevê a regra.
Editoria de arte/Folhapress |
Onde fica a caixa-preta |
No caso da caixa que grava o áudio da cabine do avião, será possível, por exemplo, ouvir o que o piloto, Miguel Quiroga, disse à sua tripulação e aos passageiros durante o voo -revelando até que ponto ele poderia ter ciência dos riscos.
A caixa que grava os dados de desempenho do avião ao longo do voo poderá mostrar se os indicadores no painel dos pilotos sofreram alguma avaria, o que impediria de avaliar o consumo de combustível, por exemplo. Ou ainda se houve algum problema que resultou em maior gasto de combustível.
O trabalho é apenas uma parte das investigações feitas pelas autoridades colombianas sobre o acidente, que devem demorar mais de seis meses para serem concluídas.
O especialista em aviação Lito de Sousa aponta que o foco da investigação é sempre entender que fatores, humanos ou mecânicos, podem ser aprimorados.
"Não basta saber se foi pane seca. Deve-se saber por que a pane seca ocorreu. E quando se chegar a essa resposta, outras perguntas serão feitas", explica. "Dizer que um avião caiu por pane seca não acrescenta em nada à segurança da aviação."
EXTRAÇÃO DOS DADOS
A cidade de Farnborough foi escolhida por ser sede dos laboratórios da Comissão Britânica de Investigação de Acidentes Aéreos (AAIB).
Como o avião da LaMia que caiu, um Avro RJ 85, foi fabricado no Reino Unido, técnicos locais teriam maior familiaridade com características específicas do avião.
A comissão britânica, por exemplo, participou da decodificação das caixas-pretas do voo MH17, abatido em 2014 por um míssil na Ucrânia.
Feita para suportar grandes impactos, o fogo e a água, as caixas-pretas foram recuperadas aparentemente sem danos. Ainda assim, técnicos terão de desmontar os aparelhos com cuidado para preservar a placa central, que contém a memória dos dados.
Caso a placa esteja danificada, a depender da intensidade, é possível recuperá-la.
O fato de o acidente da LaMia ter ocorrido em baixa velocidade, e com o avião com pouca altitude, deve facilitar o trabalho dos técnicos.
No caso da extração do áudio, deverão ser seguidas regras internacionais de sigilo.
Para fazer a transcrição dos áudios, por exemplo, só podem estar presentes os investigadores. Por isso, as salas do AAIB são isoladas acusticamente, impedindo que alguém não autorizado tenha contato com o que foi gravado nos minutos finais do voo.
Ruídos produzidos pelo próprio avião também poderão indicar anormalidades.
A análise das caixas de dados tem várias etapas. A primeira é a captação dos dados gravados em código binário.
As informações são levadas a outro computador, que converte o código em milhares de parâmetros sobre o avião, como aceleração, nível de combustível, ângulo em relação ao solo e altitude.
Os investigadores, então, devem buscar nessas informações quais são relevantes para explicar o acidente.
Um erro ao longo das diversas etapas do processo pode danificar permanentemente os dados registrados e, assim, perde-se o conteúdo.
ARQUIVOS VAZIOS
Corre-se ainda o risco de, depois de muito trabalho, os especialistas perceberem que as caixas-pretas não estavam ativas durante o voo.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o equipamento do avião que levava o candidato à presidência Eduardo Campos, em 2014. Na queda, em Santos, o político e mais seis pessoas morreram.
A caixa responsável por armazenar a conversa da cabine não funcionou como deveria, e a Força Aérea Brasileira não conseguiu recuperar os arquivos de áudio.
Segundo especialistas, no caso do avião da LaMia, a pane elétrica total declarada pelo piloto pode ter feito com que os últimos segundos do voo não fossem registrados.
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