Pequena empresa suíça pagou milhões para obter direitos da Copa do Mundo

TARIQ PANJA
DO "NEW YORK TIMES"

As investigações das autoridades dos Estados Unidos e Suíça sobre a corrupção no futebol expuseram dezenas de pessoas e empresas, nos últimos anos, as quais, segundo os procuradores públicos, conspiraram para extrair lucros ilegais de contratos de transmissão televisiva e patrocínio associados aos maiores eventos do esporte.

Uma empresa cujo nome não foi mencionado em qualquer dos documentos de indiciamento, a não ser de forma oblíqua, é uma pequena entidade sediada no cantão de Zug, Suíça. A Mountrigi Management Group é uma operação de três pessoas que ilustra de que maneira algumas das maiores transações são conduzidas, no topo do mais popular esporte do planeta.

A Mountrigi - que leva o nome do Monte Rigi, na Suíça, também conhecido como a Rainha das Montanhas e tema de uma série de quadros do famoso aquarelista inglês J. M. W. Turner - obteve discretamente os direitos exclusivos de transmissão da Copa do Mundo em boa parte das Américas, do México à Argentina, até 2030.

Usualmente, esses acordos quanto a direitos são anunciados publicamente depois de um processo de concorrência aberto, mas não nesse caso. Detalhes do arranjo incomum foram revelados inicialmente em um acordo de admissão de culpa de uma empresa alvo de processo nos Estados Unidos como parte da vasta investigação norte-americana sobre o futebol, e voltaram a surgir quando as autoridades suíças, este mês acusaram o antigo principal administrador da Fifa de aceitar propinas para a concessão de lucrativos contratos de TV,.

"Acompanho o que acontece no setor há 18 anos e nunca tinha ouvido falar dessa empresa", disse Frank Dunne, editor do respeitado boletim noticioso TV Sports Markets, sobre o Mountrigi Management Group.

Em boa parte das Américas, o futebol ,é acompanhado com devoção quase religiosa, o que faz do contrato da Mountrigi, válido para 16 países, um instrumento muito lucrativo. Mas até que começassem os inquéritos sobre corrupção, muita gente que trabalha no setor conhecia bem pouco sobre a minúscula empresa, que parece ter encontrado ouro ao garimpar a Fifa. As autoridades dos Estados Unidos ajudaram a revelar que a Mountrigi é subsidiária integral do Grupo Televisa, gigante da televisão do México.

A Mountrigi pagou cerca de US$ 190 milhões pelos direitos de transmissão das copas de 2018 e 2022, disse Dunne. Os contratos para os torneios de 2026 e 2030 provavelmente custaram mais, mas ainda assim provavelmente foram negociados por um valor inferior ao que eles valeriam hoje. Depois da concessão do contrato, a nova liderança da Fifa anunciou que a Copa do Mundo passará a contar com 48 times em 2026, ante os atuais 32, e que o torneio daquele ano provavelmente será organizado conjuntamente pelos Estados Unidos, México e Canadá.

A maior parte do alto comando da Fifa foi excluída da organização por conta do escândalo de corrupção, a maior crise desde que a entidade foi criada, 113 anos atrás. Os atuais dirigentes da organização, sediada em Zurique, se recusaram a revelar publicamente os detalhes do acordo com a Mountrigi. A Mountrigi e a Televisa se recusam a comentar.

A Mountrigi foi apoiada em sua negociação com a Fifa pelo empresário argentino Alejandro Burzaco, de acordo com diversas pessoas familiarizadas com as negociações que solicitaram que seus nomes não fossem divulgados, porque não têm autorização para falar publicamente. Burzaco no ano passado se admitiu culpado de subornar as autoridades do futebol para que a empresa que ele dirigia, a Torneos y Competencias, conquistasse os direitos de transmissão dos maiores torneios regionais. A empresa chegou a um acordo com a Justiça americana e pagou US$ 112,8 milhões para encerrar o processo que corria contra ela.

Em documentos judiciais relacionados ao acordo de admissão de culpa da Torneos, procuradores afirmam que uma afiliada de uma grande companhia televisiva sediada na América Latina havia ajudado a pagar milhões em propinas para obter os direitos de transmissão das próximas quatro copas do mundo na Argentina, Paraguai e Uruguai. A Mountrigi, afiliada da Televisiva, conquistou esses direitos e os revendeu imediatamente a Burzaco.

Ao longo dos anos, Burzaco canalizou milhões de dólares em propinas a Julio Grondona, responsável pelo comitê de finanças da Fifa e um dos mais poderosos líderes do futebol até sua morte, em 2014.

A Televisa anunciou no ano passado que nem seus funcionários e nem os da Mountrigi haviam pago "qualquer propina ou comissão a autoridades da Fifa com relação à aquisição de direitos".

Os direitos em questão também estão sendo investigados na Suíça, onde uma declaração da procuradoria geral da Justiça informou que um empresário não identificado teria subornado o ex-secretário geral da Fifa, Jérôme Valcke, em troca da "concessão dos direitos de mídia das copas do mundo de 2018, 2022, 2026 e 2030 em certos países".

Os direitos da Mountrigi, e aqueles que ela revendeu à Torneos, são os únicos que se enquadram à descrição feita na queixa suíça. Niclas Ericson, o executivo responsável pela divisão televisiva da Fifa naquele período, não respondeu a um pedido de comentário.

O advogado de Burzaco, Sean Casey, se recusou a comentar quando perguntado se o seu cliente era o empresário não identificado alvo da acusação suíça. A procuradoria geral suíça afirmou que não vai comentar.

Os suíços também acusariam o empresário qatariano Nasser al-Khelaifi, presidente do clube de futebol Paris St.-Germain, de subornar Valcke em troca de um segundo pacote de direitos sobre as copas de 2026 e 2030. Khelaifi, que nega as acusações, se reuniu com os procuradores na quarta-feira.

Os Estados Unidos acusaram mais de 40 pessoas e empresas de uma série de crimes associados à corrupção, e revelaram detalhes de acordos de direitos esportivos que tradicionalmente ficavam ocultos e eram sujeitos a pouco escrutínio.

Desde que um poderoso grupo de empresários brasileiros e argentinos foi exposto, algumas das mais poderosas companhias mundiais de direitos esportivos, entre as quais a WME-ING e a Lagardère Sports and Entertainment, conseguiram ingressar em um mercado que passou décadas fechado para elas.

Além dos direitos que vendeu à Torneos como parte do acordo com Burzaco, a Mountrigi não assinou contratos sobre os demais territórios que detém, para os torneios de 2026 e 2030. Isso significa que a empresa pode colher lucros superiores aos planejados, com a expansão da Copa do Mundo e um torneio possivelmente organizado pelos Estados Unidos em 2026. Para a Fifa, que depende da Copa do Mundo, realizada a cada quatro anos, para mais de 90% de sua receita anual de mais de US$ 5 bilhões, a transação pode causar arrependimento.

"Eles expandiram a Copa do Mundo e não poderão aproveitar o valor incremental em todas as áreas onde esse valor deve ter uma grande alta", disse Dunne.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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