Nova peça do Espanca! causa desconforto com falatório congressista
Um congresso enfadonho cheio daquele falatório que não leva a nada é o fio condutor do espetáculo "Congresso Internacional do Medo", que os mineiros do Grupo Espanca! estrearam na noite desta sexta-feira (5) no FIT-BH (Festival Internacional de Teatro, Palco e Rua de Belo Horizonte).
A peça ainda é apresentada neste sábado (5), às 15h30, e neste domingo (6), às 19h30, com ingressos esgotados, no teatro Klauss Vianna (av. Afonso Pena, 4.001, Mangabeiras, Belo Horizonte; tel. 0/xx/31/3229-3131; R$ 20). Na porta, momentos antes do início da peça, cerca de 50 pessoas tentavam, sem sucesso, comprar ingressos de desistentes.
Guto Muniz/Divulgação |
Cena de "Congresso Internacional do Medo", que o Grupo Espanca! estreou no FIT-BH |
Tanto interesse tem base no reconhecimento que a companhia conseguiu dentro e fora de Minas Gerais. O sucesso veio logo de cara na primeira montagem da trupe, "Por Elise" (2004), que ganhou prêmios como o da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e o Prêmio Shell.
Ao fim da peça, a diretora e responsável pela dramaturgia do Espanca!, Grace Passô, foi assediada pelos seus pares e pelo público presente. A conversa com a Folha Online foi interrompida diversas vezes por pessoas que queriam dizer à dramaturga o que haviam achado da peça.
Entre um abraço e outro ela contou que a idéia para a montagem partiu da leitura de um poeta também mineiro.
"Li o poema 'Congresso Internacional do Medo', do Carlos Drummond de Andrade, há uns quatro anos e me veio a idéia de montar um espetáculo que falasse sobre o tema. Tive vontade de criar uma situação teatral a partir de uma situação tão formal quanto é um congresso", contou.
Passô diz não temer o peso do sucesso já conquistado nem a expectativa que ele costuma provocar nas pessoas.
"Não tenho medo, não. Isso me dá é coragem. Tenho um pouco de receio de falar em sucesso, acho que essa palavra não se encaixa bem na labuta artesanal do teatro. É tão difícil essa vida, né? Não podemos alienar o trabalho da gente. Não quero fazer uma arte alienada", falou.
Desconforto
"Congresso Internacional do Medo" é iniciado com o badalar de um sino que abre um encontro que reúne em uma mesa representantes de povos distintos, assessorados por uma intérprete cadeirante. Cada participante, representante de um tipo étnico diferente, desfila os problemas que afligem seu povo.
Todas as falas eficientemente traduzidos pela assessora poliglota. Ela dá às palavras de cada congressista as nuances do linguajar diplomático, o que provoca certa graça e coloca a personagem como foco central.
A montagem brinca com os recursos tecnológicos sempre usados nesses tipos de evento, como gráficos expostos em telões, e até com as panes que essas parafernálias costumam dar no meio da fala de um palestrante, gerando constrangimento total.
O cenário é simples, composto de uma mesa de madeira, onde os participantes se reúnem, um grande filtro de barro --cujo líquido que jorra é uma espécie de mau presságio-- e vasos de planta espalhados pelo ambiente. Um casal de bailarinos executa adágios de forma paralela ao congresso.
A dualidade entre vida e morte ganha fôlego no momento derradeiro da montagem, unindo todos os personagens e até mesmo os bailarinos até então tão distantes.
A grande feito da terceira peça de Grace Passô --a primeira na qual ela não está também no palco-- é causar na platéia o mesmo desconforto que congressos burocratas provocam em seus participantes, que costumam ficar de olho no relógio esperando a hora do intervalo, enquanto o falar sem fim se desenrola. Resta ao público escolher se sentir esse desconforto possa ser algo prazeroso.
O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do FIT-BH.
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