Maureen Bisilliat ganha retrospectiva em São Paulo
Enlameados, corpos e tecidos parecem de bronze, ou de mármore. Na luz refletida do mar, é a pele que se desfaz em contornos de sol e espuma.
Divulgação |
Fotografia da série "Caranguejeiras", de Maureen Bisilliat, que integra mostra em SP |
Maureen Bisilliat trafega entre sólidos e etéreos na arquitetura de suas imagens. Ancora tudo nas palavras de escritores que outros duvidavam que ela fosse entender. Filha de um diplomata argentino e de uma irlandesa, viveu numa porção de países e aprendeu outras tantas línguas antes de poder construir uma obra mais brasileira do que qualquer outra coisa.
Foi tragada pelas letras de Guimarães Rosa. Passou a registrar vaqueiros e os vastos campos mineiros. "Entrei como peixe na água nesse mundo", lembra a artista, agora com uma retrospectiva de 200 obras na galeria do Sesi, na Paulista, organizada pelo Instituto Moreira Salles. "É isso dos grandes espaços, o silêncio do sertão."
Rebanhos se transformam em manchas num pasto escancarado. O couro imita a pele curtida dos homens do sertão. "São escolhidos pela força telúrica", diz ela. "Eles se prestam ao retrato sem ser mais ou menos do que são: uma presença." Suas caranguejeiras, as mulheres que mergulham na lama à cata dos bichos na Paraíba, têm presença estrutural. Viram esculturas vivas no barro que o preto e branco transforma em prata. "É como se fossem de mármore polido pelo tempo e pelo vento", descreve. "Aquilo foi um momento de graça."
E a graça se transforma em leveza nos homens do mar. São silhuetas retintas que rasgam as ondas sob o sol de Salvador. Na orla de chão batido, registra uma cidade feita de mercúrio, numa espécie de aura prateada.
Enquanto visita o sertão à luz de Guimarães Rosa, traduz a Bahia pela prosa de Jorge Amado. "Cão Sem Plumas", poema de João Cabral de Melo Neto, é o ponto de partida para a série das caranguejeiras, publicada na extinta revista "Realidade".
Sem querer ser mais nem menos que também uma presença por trás da câmera, Bisilliat tenta estreitar laços entre os intervalos de um obturador voraz e os epaços brancos entre versos dos contos e poemas.
Síntese disso tudo, os foliões da Mangueira, verde e rosa, não cabem nas cores e pedrarias que vestem. Contra o fundo vulgar do barracão, azulejos encardidos e a luz tímida das janelas, retrata excessos em forma de corpo, volumes faiscantes.
Ela não declara quais versos lastreiam as composições, mas não precisa. Está algo entre Machado de Assis e Hélio Oiticica, a brasilidade que ela soube trazer de fora para dentro.
MAUREEN BISILLIAT
Quando: abertura hoje, às 19h; seg., das 11h às 20h; ter. a sáb., das 10h às 20h; dom., das 10h às 19h
Onde: Galeria do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/3146-7405)
Quanto: entrada franca
Livraria da Folha
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