Diplomatas-escritores comentam relação entre as atividades
O lançamento de um novo livro de Francisco Alvim ("O Metro Nenhum", Companhia das Letras) e o prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon ganho em agosto por João Almino (pelo romance "Cidade Livre", Record), ambos embaixadores de carreira, permitem reanimar o debate sobre a relação entre diplomacia e literatura.
Em novo livro, Francisco Alvim se equilibra entre o lírico e o cotidiano
O Itamaraty já teve nos seus quadros nomes como Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes, além de intelectuais de peso de diferentes áreas.
A reportagem ouviu diplomatas-escritores sobre as conexões entre as duas atividades e lhes colocou uma questão: faz sentido a impressão de que desde os gigantes acima citados não surgiram nas letras do Itamaraty outros nomes da mesma estatura?
"Mesmo na época de Guimarães Rosa não havia tantos Guimarães Rosa. Eles são a exceção, não a regra", diz João Almino, cônsul-geral do Brasil em Madri.
O ministro Felipe Fortuna, poeta e crítico, autor de 10 livros, aponta um "rebaixamento estético generalizado" na cultura nacional que reflete no Itamaraty.
"A última coisa interessante que aconteceu na literatura foi o concretismo. Há um desprestígio imenso, com diminuição do espaço na imprensa --havia 5 suplementos literários nos principais jornais-- e empobrecimento do debate."
Finalista do Jabuti em 2006 pelo livro de contos "A Hora Extrema" (7 Letras), Mário Araújo pondera que "é preciso levar em conta que o cânone literário necessita de tempo, de maturação para se formar". "A atual literatura contemporânea, que é de ótimo nível, ainda não teve
tempo para mostrar quem ficará e quem será esquecido", declara Araújo.
INTERSEÇÃO
E qual seria o paralelo entre as duas atividades?
"O diplomata analisa e relata fatos (econômicos, políticos) de sociedades estrangeiras, das quais ele nao faz parte. Observa uma realidade que não é a sua. O escritor tambem tem de ter esse mesmo distanciamento em relação a seu objeto de trabalho. Descreve uma realidade fictícia, que ele criou, mas que não lhe pertence", opina Alexandre Vidal Porto, ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington e autor do romance "Matias na Cidade" (Record).
Mário Araújo acrescenta que "a oportunidade de viver por vários anos longe do seu país permite, paradoxalmente, uma visão privilegiada da própria sociedade brasileira, uma vez que pode compará-la com outras sociedades".
João Almino analisa assim a questão: "Tanto os diplomatas quanto os escritores devem ter um cuidado extremo com as palavras, mas a maneira como devem lidar com elas é distinta. O escritor deve evitar a linguagem burocrática e os lugares comuns e estar disposto a inovar na própria forma, rompendo, se necessário, as convenções e regras estabelecidas. Já o diplomata, na sua função, para que seja compreendido e também para tornar mais ágil a comunicação, deve respeitar as convenções e escrever segundo padrões pré-estabelecidos".
E conclui: "Por isso tenho dito que não tento ser escritor enquanto diplomata e nunca sou diplomata enquanto escritor. Dito isto, a atividade do escritor pode abrir portas à atividade diplomática, sobretudo no campo cultural, e a vida diplomática cria oportunidades de contato com outras culturas que podem ser enriquecedoras para a literatura".
Caçula da turma, a segunda-secretária Gabriela Guimarães Gazzinelli, 29 anos, romancista e tradutora, ganhadora do Prêmio Sesc em 2009 e finalista do Prêmio São Paulo em 2011 pelo romance "Prosa de Papagaio" (Record), considera que as atividades são independentes.
"Um argumento a favor dessa opinião é que não existe, por assim dizer, uma escola literária diplomática, com identidade de cunho institucional. Desde Joaquim Nabuco e Aluísio Azevedo, os diplomatas escreveram em estilos muito diferentes.
Arrisco-me a dizer, porém, que o isolamento no exterior pode eventualmente ser propício a certos projetos literários. Mas o isolamento do 'exílio' é ambivalente; por vezes, nos priva do contato vital com nossa querida língua portuguesa", diz Gazzinelli.
EXECUTIVOS
Quanto à mudança no perfil das atividades, há uma ideia generalizada de que hoje os diplomatas são mais executivos e menos reflexivos, o que reflete no fazer literário.
"No exame do Instituto Rio Branco, ainda há uma ênfase especial em redação e no conhecimento da língua portuguesa, mas já não existem as seções específicas de literatura brasileira e portuguesa", informa Almino.
Ele diz que a atividade diplomática hoje se ampliou, envolvendo mais temas econômicos e maior atenção a áreas como meio-ambiente e direitos humanos, mas ressalva que a mudança "não interfere naquelas poucas vocações genuínas para a literatura".
Segundo Francisco Alvim, "a agenda exige cada vez mais conhecimentos especializados, o que demanda por sua vez uma formação rigorosa e permanente". "É claro", continua Alvim, "que tal premissa não favorece o poeta, pelo menos a idéia, muito própria e abstrata, do que faço do que deva ser um poeta."
Gabriela Gazzinelli diz que é difícil "estabelecer uma relação causal entre o valor da produção literária e o perfil dos funcionários do Itamaraty --perfil esse, aliás, que é difícil aquilatar, já que o Itamaraty tende a privilegiar uma formação 'generalista' de seus quadros". "Acredito que a escrita é expressão íntima, não fruto de tal ou qual contexto. Seu valor é intrínseco. E o escritor não é flor de estufa, que fenece quando se alteram suas condições de trabalho."
GALERIA
Além dos entrevistados, são diplomatas-escritores Geraldo Holanda Cavalcanti, Edgard Telles Ribeiro, André Amado, Vera Pedrosa, João Inácio Padilha, Adriano Pucci, Murilo Komniski, entre outros.
O historiador e poeta Alberto da Costa e Silva não somente intgra a lista como é organizador de um livro de ensaios que trata do tema, "O Itamaraty na Cultura Brasileira" (Francisco Alves).
Em não ficção, vale mencionar, entre outros, o historiador Evaldo Cabral de Mello e o ensaísta e doutor em ciência política Sérgio Paulo Rouanet.
Cia da Foto/Divulgação | ||
O escritor e cônsul-geral do Brasil em Madri, João Almino |
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