Obra de Radamés Gnattali ganha nova homenagem
Quase 25 anos depois da morte de Radamés Gnattali (1906-1988), o legado deixado pelo pianista, compositor e arranjador gaúcho ainda reverbera pelo país.
E o que chama a atenção é que a obra de um dos mentores de Tom Jobim ainda desperta o interesse de músicos de todas as faixas etárias.
No ano passado, entre os mais jovens, Radamés recebeu homenagem feita por Vitor Garbelotto. Na ocasião, o músico catarinense lançou o disco "Radamés Gnattali - Integral Para Violão Solo", compilando peças do compositor feitas para o instrumento.
No mesmo período, os jovens do conjunto Quatro a Zero também lançaram o álbum "Alegria", cujo repertório continha novo arranjo para a composição mais antológica da Radamés, a suíte "Retratos".
Agora, reafirmando o interesse de diferentes gerações pela herança deixada por Radamés, o veterano bandolinista Izaías Bueno de Almeida, 75, lança neste domingo, com show no Sesc Vila Mariana, o disco "Valsas e Retratos", com seu regional, Izaías e Seus Chorões, e o quinteto de cordas Quintal Brasileiro.
Ed Figueiredo/Divulgação | ||
Izaías e Seus Chorões & Quintal Brasileiro lançam o disco "Valsas e Retratos", em homenagem a Radamés Gnattali |
"O projeto desse disco existia há dez anos, quando eu conheci o maestro Luiz Amato. Reunimos arranjos feitos pelo Radamés e outras valsas bonitas. O Radamés tinha o 'feeling' do erudito e o sabor do popular sem ferir nenhum dos dois", diz Izaías.
"É só ter bom gosto que o Radamés está lá [nas gravações de conjuntos jovens]. A música dele não tem fronteiras, é para todas as faixas etárias", completa o bandolinista, com quase 60 anos de carreira, e que há anos mantém viva a tradição das rodas de choro, todas as sextas-feiras, no bairro da Pompeia.
Além dos quatro movimentos da suíte "Retratos" --inspirados nas obras de Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga, todos grandes referências para Radamés--, o álbum traz valsas bastante conhecidas do público, como "Lábios que Beijei", de J. Cascata.
"Ele teve toda aquela formação erudita como pianista e um contato que foi muito importante com músicos populares. Não só ele. Villa-Lobos, Guerra Peixe, Lírio Panicalli, tantos outros. Ele trabalhou com muita gente fazendo arranjo na Rádio Nacional. O Radamés abriu um universo enorme para muita gente com aquelas constantes harmônicas, com a cadência", diz Paulinho da Viola, autor de "Sarau Para Radamés", choro composto em homenagem ao maestro.
"Toda a obra do Radamés tem aquela assinatura dele. Muita gente escrevia arranjo mais complicado e consultava o Radamés para resolver. Ele fez o meio-campo entre o erudito e o popular", completa.
"Radamés foi quem primeiro enxergou a música brasileira transitando entre o popular e o erudito e se enriquecendo com elementos de ambas as partes. A música dele ensina requinte ao músico popular e balanço ao erudito. Assim, ele é o elo entre mundos musicais, entre gerações", comenta o cavaquinista e pesquisador Henrique Cazes, autor do livro "Choro do Quintal ao Municipal", e que integrou a Camerata Carioca, conjunto histórico, fundando pelo bandolinista Joel Nascimento e que gravou com Radamés.
Entre os discos gravados pela Camerata e Radamés ("Tributo a Jacob do Bandolim" e "Tocar"), o mais representativo da história da parceria é "Vivaldi & Pixinguinha - Radamés Gnattali e Camerata Carioca", considerado um divisor de águas na história do choro e que completa 30 anos em 2012.
"Igual a Pixinguinha, Radamés purgou um bom tempo debruçado na estante escrevendo arranjos para a Rádio Nacional, onde era um dos principais maestros. Antes de tudo, Radamés era literalmente uma usina de sons permanentemente em atividade. E nada mais natural que os jovens se aproximassem de um músico excepcional, super acessível aos novos talentos", diz Hermínio Bello de Carvalho, que produziu o disco.
TRIBUTOS A RADAMÉS
Além dos tributos em shows e relançamentos, basta esperar que novos temas em homenagem a Radamés continuem sendo escritos, a exemplo do que já fizeram nomes como Paulinho da Viola ("Sarau para Radamés"), Hermeto Pascoal ("Mestre Radamés"), Guinga ("Perfume de Radamés") e Tom Jobim ("Radamés y Pelé" e "Meu Amigo Radamés").
No que diz respeito à modernização da música brasileira e do choro, Radamés influenciou uma série de nomes, como Raphael Rabello, Maurício Carrilho, Joel Nascimento, Henrique Cazes, Luciana Rabello, entre tantos outros.
"Todos nós, da minha geração e de duas anteriores fomos discípulos dele. E acho que umas duas outras gerações depois da minha também. Alguns adaptaram seu jeito de escrever, outros a maneira de pensar a otimização dos recursos dos instrumentos, mas nenhum de nós --vivos ou mortos-- alcançou a sua capacidade de trabalho e criação", diz Cazes.
Ainda para este semestre, o pianista Luis Fabiano Rabello (sobrinho de Luciana Rabello) lançará um disco só com composições de Radamés para piano solo. O álbum sairá pelo selo Acari.
Para o ano que vem, quando se completam 25 anos da morte do maestro, diversas homenagens serão feitas pelo país.
Henrique Cazes, por exemplo, que prepara o segundo disco com o Novo Quinteto, deve incluir no repertório do álbum a primeira gravação de "Variações sem Tema", escrito por Radamés em 1983.
"Radamés gostava de conviver com músicos jovens e bem dispostos para estudar e tocar direito. Esse foi o motivo de nós termos colaborado com a felicidade dele. Ele via que a gente batalhava para tocar bem e dava muito valor a isso. Para mim foi uma sorte imensa ter sido convidado para o conjunto --que já existia-- em fins de 1980. Foi uma experiência que mudou a minha vida, a minha maneira de perceber a música", relembra o cavaquinista.
"Não falta nem faltará assunto para projetos sobre ele", completa Cazes.
Hermínio Bello de Carvalho também pretende homenagear o amigo e maestro de alguma maneira.
"Acho que essa data poderia ser incluída em nosso calendário musical como um fato relevante. Tomara que o Ministério da Cultura, através da Funarte, reedite discos por meio do seu instituto e faça reativar o Projeto Radamés Gnattali que deixei por lá. Enfim, que a memória do 'Maestrão' ganhe o relevo que merece. E tenho a certeza de que a Escola Portátil de Música deve estar se preparando para fazer um Ano Radamés", diz o produtor e compositor.
IZAÍAS E SEUS CHORÕES & QUINTAL BRASILEIRO - "VALSAS E RETRATOS"
QUANDO domingo (9/9), às 18h
ONDE Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141; tel. 0/xx/11/5080-3000)
QUANTO de R$ 6 a R$ 24
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
Livraria da Folha
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