Escritor Karl Ove Knausgard esmiúça intimidades da família
O mais ambicioso projeto literário do norueguês Karl Ove Knausgard, 44, o transformou, em 2009, numa espécie de celebridade de "Big Brother", com canais de TV locais esmiuçando sua vida em entrevistas com quem quer que o conhecesse.
Isso já seria incomum o suficiente se levássemos em conta que Knausgard (pronuncia-se "quenausgorde") era, àquela altura, muito mais um autor elogiado pela crítica do que frequentador das listas de mais vendidos.
Mas muito mais estranho que isso é saber que o tal projeto, que acabou por vender 500 mil exemplares -num país de 5 milhões de habitantes-, tratava-se de uma caudalosa autobiografia romanceada de 3.500 páginas em seis volumes, à moda de "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust.
Chester Higgins Jr./The New York Times | ||
Karl Ove Knausgard, que teve 500 mil cópias vendidas na Noruega |
A razão do sucesso de público, é claro, foi muito mais o fator "big brotheriano" que a qualidade da narrativa, esta reconhecida por críticos celebrados como James Wood, autor de "Como Funciona a Ficção" (Cosac Naify).
A questão foi que, nos seis volumes de "Minha Luta", Knausgard não poupou ninguém que conhecesse. Nem mesmo (ou principalmente) seu pai, morto em 1998, vítima do alcoolismo, e a avó paterna, cuja demência senil e incontinência urinária nos últimos anos de vida ele descreve com riqueza de detalhes.
CONCESSÕES
"A Morte do Pai", o primeiro dos seis livros, que chega em breve às livrarias do país pela Companhia das Letras, fez com que metade da família de Knausgard tentasse impedir a publicação da obra e cortasse relações com ele.
O autor, confirmado no time internacional que participa da próxima Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, fez só algumas poucas concessões -trocou nomes de familiares e cortou uma cena do segundo livro que incomodara sua mulher.
Mostra-se dividido sobre como lida com as consequências do projeto do qual mais se orgulha literariamente. Mas diz que ninguém poderia lhe tirar o direito de contar uma história que era sua.
"Tive a chance de não ir em frente, já que minha família conheceu o conteúdo antes. Publicar o livro seria como dizer a eles 'minha literatura é mais importante que suas vidas', o que não é certo. Por outro lado, quem teria o direito de me impedir de escrever sobre minha relação com o meu pai?", argumenta.
RELAÇÃO
O pai de Knausgard morreu em 1998, no verão em que o autor publicava seu primeiro e elogiado romance, "Ute av Verden" (Fora do Mundo).
As lembranças turbulentas que tinha da relação com o pai logo o fizeram perceber que a história que queria contar num livro, na realidade, era sua história com o pai, figura enigmática cujo declínio ele acompanhou aos poucos, enquanto se preocupava mais com típicos dilemas juvenis, como a descoberta da maturidade sexual.
Mas foi só quando completou 40 anos, idade com que o pai morreu, que Knausgard se sentiu confiante para escrever. "Eu me senti mais identificado com ele. Já era pai e tinha atribulações como ele. Mas, em vez de me destruir com o alcoolismo, como ele fez, usei a literatura"
O fato é que ninguém pode acusar Karl Ove Knausgard de não gostar de uma polêmica. Não bastasse a abordagem dos livros, resolveu batizar o conjunto com o nome nada inocente de "Minha Luta", título que remete às memórias de Adolf Hitler.
"O título tem a ver com a vida de todo mundo, viver é uma luta. Mas é claro que foi uma provocação. Meu editor não queria aceitar de jeito nenhum. Bati o pé", diz.
Mas a provocação dentro dos livros era tanta que até que não pegaram no pé dele por causa do que vinha escrito na capa. (RAQUEL COZER)
A MORTE DO PAI
AUTOR Karl Ove Knausgard
TRADUÇÃO Leonardo Pinto Silva
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 49,50 (512 págs.)
*
RAIO-X
KARL OVE KNAUSGARD
ORIGEM
Nasceu em Oslo, na Noruega, em 6 de dezembro de 1968
FORMAÇÃO
História da arte e literatura na Universidade de Bergen
CARREIRA
Estreou com "Ute av Verten" (1998); virou best-seller com "Minha Luta" (2009-2011)
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade