Protagonistas da moda discutem mão de obra artesanal nos 20 anos de SPFW
Keiny Andrade/Folhapress | ||
A modelista Karina Markoccia, 25, costura rendas em ateliê |
Mais de mil desfiles separam a primeira semana de moda paulista, em 1995, da São Paulo Fashion Week que começa neste domingo (18). Também separam uma indústria que copiava a estética europeia desta que, hoje, discute o valor do artesanato local.
As marcas escaladas para o inverno 2016 passeiam do jeans tecnológico à confecção manual, um dos atuais questionamentos da moda.
O Metropolitam Museum de Nova York anunciou na quarta (14) que o embate entre a mão do homem e a tecnologia será, em 2016, o mote de sua grande exposição anual dedicada ao vestuário.
O tema da SPFW, "Do princípio ao início", marca o que o fundador do evento, Paulo Borges, define como ciclo.
"As fronteiras da informação se estreitaram tanto que a indústria ainda não conseguiu produzir e entregar o que as pessoas desejam, na velocidade que desejam. Esse é o ajuste que buscamos para o futuro da moda."
Editoria de Fotografia | ||
Folha entra nos ateliês de quatro marcas e mostra percurso da roupa até desfile; veja ensaios |
RENDA RENASCENÇA
A paulistana Fernanda Yamamoto e o mineiro Ronaldo Fraga apresentarão coleções feitas em parceria com comunidades de artesãos.
Yamamoto colocará na passarela rendas produzidas por 77 rendeiras do Cariri paraibano. "A renda renascença é uma tradição que a maioria das artesãs aprendeu com sete, oito anos", diz ela.
O Brasil é a quinta maior indústria têxtil do mundo, a quarta de malhas e a segunda de jeans, segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Essas posições tornam urgente a inserção da mão de obra brasileira em passarelas e nas feiras internacionais.
A absorção do artesanato está longe de ser uma constante na SPFW. "É reflexo de um desconhecimento do Brasil por parte de estilistas e da elite. Enxergamos o que é de fora como melhor, não só na moda. Não valorizamos nossa cultura", diz Yamamoto.
Andre Seiti | ||
Erecilda Ferreira Inô, rendeira que teceu matéria prima para Yamamoto, em sua casa no Cariri paraibano |
A opinião dela é compartilhada por Ronaldo Fraga, que foi à região do Vale da Seda, no Paraná, buscar o "handmade" de sua nova coleção.
"A mão de obra artesanal brasileira traz vestígios da formação mestiça. Nesses saberes e fazeres, a cultura europeia aparece bordada ponto a ponto com a africana e a nativa indígena", diz Fraga.
Ele afirma que, devido "ao déficit cultural", existe preconceito com o uso do artesanato nacional na moda.
O estilista critica a massificação dos processos de confecção: "Nossos tecidos pioraram, há uma crise de mão de obra especializada. E pior: tudo caminha para o fim das médias e pequenas empresas. Nesse ritmo, sobrarão as micros e a indústria bélica de roupa".
SEDA IMPERFEITA
Uma das empresas que ajudaram Fraga nesta coleção é O Casulo Feliz, do artesão paranaense Gustavo Rocha. Foi ele quem produziu 20 modelos de tecidos para o desfile de Fraga, reutilizando casulos com pequenos defeitos, descartados pela indústria. "A beleza é você trabalhar à mão uma seda que a máquina não consegue fiar devido às imperfeições", diz o artesão. Um metro de sua seda vale entre R$ 80 e R$ 250.
"No Brasil, o acesso à seda está mais fácil. As pessoas podem parcelar roupas. Mas, ao mesmo tempo em que o interesse das grifes aumenta, muitos artesãos não valorizam o próprio produto, estampando e tingindo de forma errada. Falta uma cultura de design, uma profissionalização maior", diz Rocha.
Segundo Rafael Cervone, presidente da Abit, a riqueza e a abundância de matérias-primas, principalmente as naturais, e os conhecimentos das mais diversas técnicas de bordado, tricô e outras que compõem o universo do artesanato tornam a mão de obra brasileira única. "Mostramos ao mundo que estamos no caminho oposto ao das commodities. Isso, nenhum chinês consegue fazer."
Keiny Andrade/Folhapress | ||
Mãos da cortadeira Jacinta Fátima Rodrigues de Castro, que trabalha com roupas há 30 anos |
ARTESANAL
Uma macrotendência global da moda é o aspecto artesanal, seja ele obtido manualmente ou por máquinas.
Na última semana de moda de Paris, por exemplo, a grife japonesa Issey Miyake mostrou uma técnica que faz o tecido ganhar proporções tridimensionais e confere à roupa aparência texturizada.
No Brasil, a incorporação do feito à mão pela indústria enfrenta grandes desafios, diz o empresário Paulo Borges. Entre eles está a profissionalização de artesãos.
"De um lado, o artesão não enxerga que faz algo de valor. Do outro, o consumidor não valoriza aquela criação como expressão preciosa da identidade brasileira", diz.
Já Rafael Cervone, presidente da Abit, entidade que reúne a indústria têxtil, cita como exemplo a estilista Patricia Bonaldi, que mantém um escola de qualificação de artesãos em Uberlândia.
"Em vários Estados há uma conexão entre a criação dos estilistas e a valorização do feito à mão", diz Cervone.
Se bem orquestrada, essa conexão pode posicionar mundialmente não só o artesanato, mas o próprio design de moda brasileira.
Só que o mercado ainda paga pouco pela matéria-prima artesanal. A paraibana Maria de Lourdes Oliveira, 51, cobra até R$ 60 para transformar um novelo de linha em renda, o que leva até quatro dias.
A rendeira diz já ter visto "nas revistas" um vestido de R$ 15 mil feito com a mesma renda produzida no Cariri, onde mora. Lá fica a ONG Cunhã que, com ajuda da iniciativa privada, orientou comercialmente um grupo de 200 artesãs do qual ela faz parte.
"Quem deveria ser contra esses preços são as próprias rendeiras, mas se uma aceita os R$ 40 que os atravessadores pagam por novelo, não há jeito de cobrar mais", afirma.
Os atravessadores, de acordo com ela, são contratados por marcas e estilistas para rodar sua região em busca de renda boa e barata. A rendeira diz que, se trabalhar todos os dias, consegue em um mês até um salário mínimo (R$ 742).
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