CRÍTICA
'Mamma Roma', de Pasolini, é oráculo do pior mundo possível
Mamma e Roma. A união destes termos no nome da personagem-título do segundo filme do poeta, intelectual e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, realizado em 1962, projeta dois símbolos que remetem à origem física e cultural.
O primeiro aparece encarnado na imagem maternal de Anna Magnani, a mãe protetora que se sacrifica para dar tudo a Ettore, o filho adolescente que "ainda não conhece as maldades do mundo", como ela alerta no primeiro diálogo com ele.
Roma é, além de cenário, um mito. A cidade contemporânea é vista à distância, enquanto Ettore e seus amigos perambulam por terrenos baldios, entre ruínas que remetem ao mundo arcaico, a tempos imemoriais em que uma loba teria alimentado os gêmeos Remo e Rômulo, fundador da cidade que se tornou império e civilização.
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Ettore Garofolo e Anna Magnani em cena do "Mamma Roma", do diretor Pier Paolo Pasolini |
O que se vê dessa antiga glória é apenas uma periferia onde uma população marginalizada amontoa-se em conjuntos habitacionais. Ali, Mamma Roma constrói seu sonho de sair da prostituição, trabalhar como feirante e proteger sua cria das "maldades do mundo".
Ettore, contudo, prefere viver como um animal selvagem, longe desse amor excessivo que controla e bloqueia seus instintos, numa liberdade sujeita à violência.
Ele representa também a juventude bela e bruta, cujos corpos masculinos ainda imaturos fascinavam Pasolini desde seus primeiros escritos e que ele continuaria a retratar, combinado com a ideia do martírio, até "Salò", seu derradeiro filme.
Ettore Garofolo, que interpreta o filho, era garçom numa cantina que Pasolini frequentava. Ele introduz no filme as características do não-ator, uma performance não estilizada e a corporeidade de um rapaz da multidão.
Já Anna Magnani, mais que atriz profissional, é um ícone. Sua imagem e personagem evocam a Pina de "Roma, Cidade Aberta" (1945) e a Maddalena de "Belíssima" (1952), filmes que inauguraram e encerraram o neorrealismo.
Só que em vez de retomar tal qual esta forma datada do pós-guerra, Pasolini, no mesmo momento que Antonioni, Fellini e outros grandes, a reinterpreta como indagação do presente e como oráculo que prenuncia o pior mundo possível.
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