Ferreira Gullar expõe sua história e poesia em retrospectiva no Rio
Marcelo Magalhães/Divulgação | ||
O poeta Ferreira Gullar, tema de mostra no BNDES, no Rio |
Você entra num cubo azul de três metros de altura. Desce três degraus. À sua frente, mais ou menos na altura do joelho, está um cubo vermelho. Você o levanta. Lá dentro, outro, menor, verde. Dentro desse, um branco. Você levanta a peça e vê, sobre o chão, um espelho. Nele se lê o que está no verso do cubo branco: rejuvenesça.
É o "Poema Enterrado", de Ferreira Gullar, 85, exposto pela primeira vez desde que foi concebido, em 1959, numa retrospectiva dedicada ao poeta e colunista da Folha e aberta ao público no dia 11, na Galeria BNDES, no Rio.
A instalação foi a despedida de Gullar do neoconcretismo, movimento que ajudou a fundar. Passou esses anos todos na casa da família de Hélio Oiticica, um dos expoentes da corrente artística. A tentativa original de exibi-la pela primeira vez, porém, foi literalmente por água abaixo.
Oiticica soube da obra pelo "Jornal do Brasil". Entusiasmou-se e quis montá-la no quintal da casa que sua família estava construindo, na Gávea Pequena, no Rio. Seria o primeiro poema com endereço de que se sabia.
Marcelo Magalhães/Divulgação | ||
Ferreira Gullar com obra que faz parte de retrospectiva em sua homenagem no Rio |
Mas, no momento da estreia, com toda a trupe de Gullar assistindo —Mário Pedrosa, Lygia Clark, Amilcar de Castro—, as portas da instalação foram abertas, e lá dentro os cubos flutuavam sobre a água. Como chovera no dia anterior, a obra ficou alagada.
"Caímos na gargalhada. A inauguração de um poema já era uma grande brincadeira. Rimos mais ainda", lembra ele.
MULTIFACETADO
Poeta, artista plástico, ensaísta, compositor, crítico, dramaturgo, escritor. É extensa a lista de funções que Gullar exerce, e a retrospectiva toca em todas essas facetas.
Estão lá edições de seus livros; áudios de poemas que viraram canções —a mais famosa delas, "Borbulhas de Amor", uma tradução gravada por Fagner; as obras "Livro Poema" e "Poema Espacial"; sua produção artística mais recente, a série de colagens "A Revelação do Avesso".
"[As colagens] venderam em todas as exposições que fiz: São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Não é cachorro morto, cocô na tela, é uma coisa bonita", diz Gullar, ecoando as críticas que costuma fazer à arte contemporânea.
Há também muita memorabilia. Em alguns momentos, a mostra funciona como quem vê um álbum de família: há retratos em casa com a filha recém-nascida no colo, em sua festa de 85 anos —a companheira de Gullar, a poeta Cláudia Ahimsa, assina com Augusto Sérgio Bastos a curadoria da exposição.
Em outros, parece que vemos fotos de porta-retratos em uma estante: Gullar com Oscar Niemeyer, com Vinicius de Moraes, imagens do lançamento de "Poema Sujo" no Brasil —este sem a presença do poeta, que estava no exílio.
Estão lá, ainda, a máquina de escrever na qual Gullar fez o "Poema Sujo", assim como a primeira versão do texto, considerado sua obra-prima.
BANDEIRA
Há também a primeira edição do seu primeiro livro, "Um Pouco Acima do Chão" (1949), com uma dedicatória:
"Ao mais humano poeta do Brasil, para mim, o maior dentre os vivos, envio esse ajuntado de versos, escritos com a pressa do adolescente, mas, também, com seu coração. Poeta Manuel Bandeira, este livro custa na livraria Cr$ 15,00, mas para o senhor eu peço apenas uma compensação: leia-o", disse o adolescente Gullar para o adulto Manuel Bandeira.
Hoje, diz, não pode mais escrever poesia. "A poesia nasce do espanto. Como é algo que eu não domino, que não posso provocar, se eu não sinto mais ele, é melhor não escrever, senão sai besteira."
FERREIRA GULLAR
ONDE galeria BNDES (av. República do Chile, 100, tel. 0800 702 6337)
QUANDO 11 de maio a 1º de julho, de 2ª a 6ª, das 10h às 19h
QUANTO grátis
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