Diretor de 'Justiça', José Villamarim estreia no cinema com 'Redemoinho'
Todo de preto, José Luiz Villamarim está sentado no escuro, uma blusa sobre o corpo aplacando o frio do ar-condicionado. Num estúdio da Globo, ele estuda uma cena de sua série "Nada Será Como Antes". Noutra tela, está uma sequência de "Redemoinho", filme que marca sua estreia no cinema. Lado a lado, os enquadramentos revelam a mesma construção hipercalculada.
"Meu sonho era ser arquiteto", diz o diretor. "Sou mesmo formalista e controlador. Gosto de tirar os excessos, de ir limpando cada vez mais."
Mas Villamarim, que arrebatou público e crítica com as séries globais "Amores Roubados", "O Rebu" e "Justiça", só conseguiu chegar à depuração formal que tanto defende -e que virou uma marca que ele tenta emplacar na TV- depois de trabalhar por mais de duas décadas no maior canal do país.
Nos anos 1990, ele trocou a carreira de videoartista que engatinhava em Belo Horizonte pelos estúdios da Globo, no Rio, onde começou como assistente de direção do clássico "Anos Rebeldes". Ficou na sombra dos outros até chamar a atenção no comando de "O Canto da Sereia".
Lançada há três anos, a série que ele chama de "noir baiano" era um thriller com Isis Valverde no papel de uma cantora de axé assassinada a tiros em pleno trio elétrico.
Foi o momento, ele lembra, que a "Globo acordou" para o que estava acontecendo no resto do mundo. Ele fala da "era de ouro" liderada pela HBO e logo turbinada pela Netflix, a Amazon e outros produtores de TV que buscaram estratégias do cinema para construir seriados com a exuberância de filmes de autor.
"Eu mesmo começo os projetos e filmo muito, gosto de filmar", diz Villamarim. "Você tem que dominar a técnica, mas tem que ir contra a gramática da indústria. Tem que entender de artes plásticas, de cenário, de fotografia, de figurino. Se você tem aquela agonia que move, a agonia da criação, da loucura, é bom."
Walter Carvalho, diretor de fotografia que trabalha ao lado de Villamarim desde "O Canto da Sereia", também fala nessa tal agonia. "Tenho a impressão de que a gente conseguiu dar um passo adiante, fazer um trabalho mais solto. Minha proposta sempre foi estar com os enquadramentos submetidos a essa agonia. É uma câmera desejosa, inquieta, ansiosa."
Na tela, tudo isso se traduz em sequências que não dão respiro ao espectador.
FERRO E AÇO
No fundo, Villamarim desconstrói a fórmula clássica da TV adaptada do teatro, ou seja, uma boca de cena observada por lentes estáticas. Depois de implantar uma nova e mais robusta coreografia visual em seus trabalhos na Globo, o diretor leva isso ao nível da obsessão em seu primeiro longa.
"Redemoinho", vencedor do prêmio especial do júri no Festival do Rio e agora na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, registra a tensão entre dois amigos que relembram traumas do passado com enquadramentos claustrofóbicos, ancorados nos pilares da fábrica de tecidos em que um deles trabalha, nas hastes metálicas de uma ponte e nos pontos de fuga desenhados pela linha férrea que corta o vilarejo onde se passa a trama.
"Da mesma forma que na arquitetura as vigas e as colunas sustentam um prédio, existem paredes, chão e teto na volumetria dos planos do Zé", diz Carvalho. "Não é pela beleza, mas pela relação que se estabelece entre as coisas."
E também pelo silêncio entre elas. "Redemoinho", ao contrário das séries do diretor na TV, é um filme sem música, calcado nos ruídos ao redor dos personagens e na economia verbal do roteiro. George Moura, que também trabalha com o diretor numa série de projetos, adaptou um conto de Luiz Ruffato para construir o enredo minimalista do filme, lembrando a secura dos diálogos que escreveu para "O Rebu" e "Amores Roubados".
"É a busca do tom exato da história que estamos querendo contar", diz Moura. "A gente tenta manter esse fio de aço da narrativa sempre esticado, tentando evitar certa flacidez. Quando você fala algo só uma vez é como uma bala de prata, da mesma forma que a música precisa do silêncio para que seja escutada."
Villamarim, aliás, compara essa contenção às formas simples, monocromáticas de artistas visuais como Richard Serra e Amilcar de Castro, autores que criam formas acachapantes de aço para dissecar sensações como a leveza.
ATORES
No ar agora na Globo, a série "Nada Será Como Antes" destoa da economia verbal, mas busca a mesma ausência de peso pelo deslumbre da fotografia e a força de performances que consegue arrancar de um elenco afiadíssimo.
Entre os escalados em cena estão Cásisa Kis Magro e Jesuíta Barbosa, atores-fetiche de Villamarim, e alguns que já cruzaram seu caminho, como Daniel de Oliveira. Outros, como Bruna Marquezine, fazem sua estreia com o diretor.
"Fico vendo de longe os atores até a hora de dirigir e enlouquecer essas figuras", conta Villamarim. "Tenho paixão por aqueles que conseguem dominar a técnica, mas deixam tudo acontecer na hora do set, a ideia de um set vivo, com o sangue circulando. Gosto dos atores menos racionais, capazes de explodir e de se revelar, de preencher o silêncio."
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REDEMOINHO
DIRETOR José Luiz Villamarim
PRODUÇÃO Brasil, 2017
ELENCO Irandhir Santos, Júlio Andrade, Dira Paes, Cássia Kis Magro
MOSTRA sex. (28), às 21h50, sáb. (29), às 13h30, no Espaço Itaú - Frei Caneca; dom. (30), às 19h, na Cinemateca
NA TV
Nada Será Como Antes
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