Jornalista retrata em quadrinhos sua avó, que sobreviveu à doença púrpura
Reprodução | ||
Cena da história que se passa em Angola em "Púrpura" |
Dona Lúcia adoeceu de púrpura em 1952, em um povoado de Angola. Ela recebeu uma extrema-unção ali, outra em Luanda e a última em Lisboa. Mas sobreviveu, recuperou-se e foi para o Brasil.
A púrpura, uma doença sanguínea autoimune que deixa na pele manchas vinho, não venceu dona Lúcia. Por décadas, ela contaria suas histórias -de sobrevivência, de viagens- ao neto.
Foi nas experiências da avó que o jornalista Pedro Cirne de Albuquerque se inspirou para escrever um gibi.
Albuquerque chegou a pedir a ela sugestões de título para a obra, em 2014, ao terminar de escrevê-la.
"O livro é seu. Eu não tenho nada a ver com isso", respondeu com a intensidade pela qual ela, que morreu em 2015 aos 93, era conhecida.
Por fim, o neto escolheu como título para o livro, ilustrado pelo artista Mário César, o nome da doença. Mas "Púrpura" não fala diretamente nem da enfermidade, nem de dona Lúcia. A inspiração foi mais sutil e aparece em diversos aspectos da obra.
Albuquerque, que trabalhou na Folha e atua hoje no UOL, conta em "Púrpura" oito histórias de superação.
São como os recomeços de sua avó, tanto sobrevivendo à doença quanto se reinventando ao enviuvar. "Ela costumava dizer que sou o neto de uma guerreira", conta.
As páginas são coloridas quase só em tons de roxo. Diferentes usos da palavra "púrpura" determinam cada uma das oito histórias -da coloração utilizada por imperadores romanos a canções da banda Deep Purple.
Outra experiência de sua avó inspira o gibi -sua origem em um país lusófono e a passagem por Lisboa.
Albuquerque recebeu financiamento do Centro Nacional de Cultura de Portugal e decidiu que cada um dos capítulos seria ambientado em um país distinto de fala portuguesa, como Moçambique, Cabo Verde e Angola.
O contexto é leve e não se impõe na história. As nações são reconhecíveis apenas nos detalhes: uma camiseta de futebol, um disco, uma rua.
Há também indicações nos nomes dos personagens. Uma garota, por exemplo, se chama Florbela, como a portuguesa Florbela Espanca.
Outro resultado do interesse pela diversidade dessas nações são as páginas intercaladas entre as histórias, assinadas por artistas lusófonos -incluindo uma desenhista que também foi afetada pela púrpura.
Albuquerque conta que escreveu a uma organização cultural pedindo indicações de ilustradores para o projeto. Ele recebeu respostas de 600 artistas de 19 países.
O roteirista viajou, com a bolsa, para conhecer a Angola das histórias de sua avó. Encontrou, porém, um lugar bem distante daquele com que fantasiava na infância.
"O país mudou bastante desde a independência", diz. "Não encontrei o que ela me descrevia, mas vi outras coisas que me surpreenderam."
Em vez do casebre cru narrado por dona Lúcia, Albuquerque deparou-se com a metrópole de Luanda, onde ouviu os relatos da guerra.
O trabalho rendeu não apenas o gibi mas também um livro romanceando a história de sua avó. Ele negocia agora a publicação com editoras, ainda sem um prazo.
O título, desta vez, se inspira em uma frase repetida por dona Lúcia quando recomendava que o neto não fosse ao seu enterro: "Venha me ver enquanto estou viva".
PÚRPURA
AUTORES Pedro Cirne de Albuquerque e Mário César
EDITORA Sesi-SP
QUANTO R$ 42 (96 págs.)
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade