Em livro, advogados narram bastidores de crimes famosos
O que motiva o assassino? E os advogados, como e por que defendem os facínoras?
Essas e outras curiosidades embasam a coletânea "Grandes Crimes", lançada na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha. No evento, o livro também foi tema de mesa na Casa Folha.
Do canibalismo à repressão política, o organizador Pierre Moreau e mais 11 profissionais do direito resgatam bastidores e detalhes de casos marcantes.
Moreau, sócio da Casa do Saber e advogado, liga a motivação do trabalho a "um paralelo entre a verdade dos autos e a verdade jornalística".
Em registro literário ou documental, as narrativas unem definições jurídicas, contextos históricos e ponderações sobre a índole humana. Muitas acompanham reproduções de reportagens sobre os fatos.
Essa comparação entre o que se ouviu dizer e o que se julgou pode surpreender, como no caso das mortes de PC Farias e Suzana Marcolino.
"Ficou a impressão de que se escondia algo, e os jurados estão sujeitos a essas especulações", diz a advogada Luiza Nagib Eluf, crítica do que chama de "cultura do ciúme".
Na transição da petição à literatura, eles e elas desnudam dribles e jogadas ensaiadas da ciência criminal, mas também seus limites e contradições.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau escreve sobre a morte do escritor Euclides da Cunha:
"A leitura dos autos permite perceber que há sempre mais de uma versão dos fatos. O que prevalece em qualquer ação", conclui, "é a verdade dos autos, não a dos fatos".
MOSAICO SANGRENTO
Alguns textos esclarecem, outros levantam dúvidas. Certas tramas citam personagens anônimos, e outras, figuras históricas. Pesquisas se ladeiam a crônicas e borram a fronteira entre ficção e realidade.
Em comum, um exame da advocacia por dentro; a chance de saber o que levou advogados ao sucesso em casos tidos por impossíveis.
"O júri decide imerso em carga emocional", afirma Moreau. É nessa brecha, diz, que ele ou ela, defensores, às vezes brilham, elevando consigo a própria advocacia.
É assim em "Doutor Smith", no qual Arnaldo Malheiros Filho (1950-2016) lembra um homem que mata três pessoas, duas com testemunhas, e escapa a dois júris –nas palavras do autor, "um péssimo processo, com um ótimo réu".
A amizade entre Rubens Paiva e o pai de Moreau motivou o organizador a lembrar verdades e mentiras no desaparecimento do deputado, durante a ditadura militar.
Já o advogado e professor René Ariel Dotti resgata o assassinato da socialite Ângela Diniz, em 1976, pelo qual o assassino foi absolvido por "legítima defesa da honra".
Da narrativa do crime e da reação popular deriva reflexão sobre a dignidade e o feminicídio no Brasil. "O julgamento fortaleceu o movimento feminista", lembra Dotti. Enterrou também, ao menos na Justiça, a tese de defesa da honra.
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A advogada Alice Luz, por sua vez, reconstitui a morte da atriz Daniella Perez, em 1992. Ganha luz a apuração independente realizada pela própria mãe da vítima, a novelista Glória Perez, na ação penal.
Da leitura advém também reflexão sobre o Estado de Direito e o papel da advocacia. Mesmo –ou principalmente– em defesas de acusados moralmente "indefensáveis".
"Narrar o exercício do direito de defesa é reforçar sua proteção", resume Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.
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1 - "Doutor Smith"
Autor: Arnaldo Malheiros Filho (1950-2016)
Onde, quando: São Paulo; entre os anos 1960 e 1980
Acusação: homem português assassinou a mulher e dois colegas após ser demitido
Situação: foi absolvido em dois Tribunais do Júri e saiu em liberdade
2 - "Imigrações, mortes e malas"
Autor: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira
Onde, quando: São Paulo; 1908, 1931, 2003 e 2012
Acusação: homens e mulheres são acusados de homicídios seguidos de ocultações de cadáveres em malas; um deles é o assassinato de Marcos Kitano Matsunaga pela esposa, Elize
Situação: Elize foi condenada a 19 anos e 11 meses e cumpre pena
3 - "Os crimes dos dois Euclides"
Autor: Eros Grau
Onde, quando: Rio de Janeiro; 1909 e 1916
Acusação: Dilermando de Assis matou Euclides da Cunha, de cuja mulher era amante; anos depois, matou o filho do escritor, seu enteado
Situação: foi absolvido nas duas ocasiões por legítima defesa
4 - "O caso dos três canibais"
Autor: José Paulo Cavalcanti Filho
Onde, quando: Recife, Olinda e Garanhuns (PE); de 2008 a 2012
Acusação: um homem e duas mulheres são acusados de matar e esquartejar três jovens, além de prepararem comida com os restos mortais delas
Situação: condenados a mais de 19 anos de prisão, estão presos; faltam dois júris
5 - "Choque emotivo na província"
Autor: José Renato Nalini
Onde, quando: São Paulo, década de 1940
Acusação: grávida, jovem é acusada de matar com um tiro na cabeça homem rico da capital com quem havia se casado há menos de dois meses
Situação: defendida pela advogada Esther de Figueiredo Ferraz, foi absolvida
6 - "Madrugada de agosto"
Autor: José Alexandre Tavares Guerreiro
Onde, quando: Rio de Janeiro; 1954
Acusação: chefe da guarda de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato é acusado de contratar matadores para assassinar o jornalista e político de oposição Carlos Lacerda
Situação: o episódio desencadeou o suicídio de Getúlio; condenado, Fortunato foi assassinado na prisão, em 1962
7 - "O assassinato do deputado Rubens Paiva"
Autor: Pierre Moreau
Onde, quando: Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1971
Acusação: agentes da ditadura são acusados de matarem o deputado Rubens Paiva e de ocultarem seu cadáver
Situação: a Comissão da Verdade identificou os agentes; nenhum foi punido
8 - "Doca Street e o preço do machismo"
Autor: René Ariel Dotti
Onde, quando: Búzios (então Cabo Frio), 30 de dezembro de 1976
Acusação: Raul Fernandes do Amaral matou a tiros a socialite Ângela Diniz
Situação: por legítima defesa da honra, foi absolvido no júri; novo julgamento o condenou a 15 anos de prisão
9 - "Investigação sobre o atentado do Riocentro"
Autor: Eduardo Muylaert
Onde, quando: Rio de Janeiro (RJ), 30 de abril de 1981
Acusação: atentado a bomba frustrado mata um oficial do Exército; governo militar culpa organizações de esquerda
Situação: investigações ligaram o ato a setores do governo insatisfeitos com a abertura política; ninguém foi punido
10 - "O assassinato de Daniella Perez"
Autora: Alice Luz
Onde, quando: Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1992
Acusação: Guilherme de Pádua matou a atriz Daniella Perez com a ajuda da mulher, Paula Thomaz
Situação: após "investigação particular" empreendida pela mãe da vítima, Glória Perez, eles foram condenados a 19 anos de prisão; ambos já estão em liberdade
11 - "O misterioso caso PC Farias e Suzana Marcolino"
Autora: Luiza Nagib Eluf
Onde, quando: Maceió (AL), 23 de junho de 1996
Acusação: ex-tesoureiro do ex-presidente Collor, PC Farias e a namorada foram encontrados mortos
Situação: face a suspeitas de "queima de arquivo", o caso foi encerrado: Suzana teria matado ele e se suicidado
12 - "O crime da prática do racismo: o caso Ellwanger"
Autor: Celso LaferOnde, quando: Porto Alegre (RS), de 1985 a 1991
Acusação: Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010) foi acusado de racismo por publicar livros antissemitas
Situação: foi condenado em meio a debate sobre "raça" e liberdade de expressão
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GRANDES CRIMES
ORGANIZADOR Pierre Moreau
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)
Livraria da Folha
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