Os áudios que derrubaram Nixon e as semelhanças com o caso Temer

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

RESUMO Repórter lembra o Watergate, episódio em que o então presidente dos EUA Richard Nixon (1969-74) foi acuado por gravações que mostravam que ele atuara para barrar investigação do FBI. Imbróglio, que culminaria na renúncia do republicano, guarda semelhanças e diferenças com o dos áudios do presidente Michel Temer.

EXPLETIVO

Em abril de 1974, após meses de tergiversações, Nixon anunciou que divulgaria 1.200 páginas de transcrições de conversas. Admitiu que as conversas iriam constrangê-lo, mas ponderou que provariam sua inocência.

Publicadas na forma de livro, as transcrições se transformaram em best-seller instantâneo, embora muitos trechos tivessem sido suprimidos. Nixon censurou todos os palavrões que saíam de sua boca e os substituiu pela expressão "expletivo deletado", que ficou famosa.

Mesmo com toda essa maquiagem, a imagem que se formou do presidente dos EUA era horrível. Um Nixon raivoso e boca suja debatia como levantar dinheiro para pagar um dos encanadores que chantageavam o governo, como evitar acusações de perjúrio ou obstrução de Justiça e como usar a desculpa da segurança nacional.

Não havia evidência cabal de que Nixon cometera algum crime, de que sabia de tudo desde o começo e de que agira para impedir as investigações. As conversas pouco republicanas, no entanto, pioravam ainda mais a percepção do público a seu respeito. Em frente à Casa Branca, manifestantes protestavam com cartazes criativos: "Impeach o (expletivo deletado)".

A exemplo de Nixon, Temer viu sua imagem se deteriorar após serem veiculados o áudio de sua conversa com Joesley e o conjunto de depoimentos dos delatores.

Na gravação, o presidente chama de idiota o ex-ministro Marcelo Calero (Cultura), que acusou o ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) de pressioná-lo para liberar obra de um prédio na Bahia no qual tinha comprado apartamento. Para Temer, essa tentativa de obter vantagens financeiras foi uma "bobagem sem consequência nenhuma".

Em outro momento, Joesley afirma ter um plano para destituir um procurador da Lava Jato que investigava a JBS e conta que estava "segurando" dois juízes. "Ótimo, ótimo", é a resposta de Temer.

Adiante, o presidente instrui Joesley a recorrer ao deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), de sua "mais estrita confiança". Loures foi filmado posteriormente com uma mala de dinheiro.

No inquérito aberto a partir do acordo de delação, a Procuradoria-Geral da República apontou indícios de três crimes supostamente cometidos pelo peemedebista: obstrução de Justiça, corrupção passiva e organização criminosa.

A cada dia surgem novas informações comprometedoras para Temer. Ainda não há uma "arma fumegante", a prova irrefutável de que o presidente cometeu o crime de tentar comprar o silêncio de Eduardo Cunha, cuja delação poderia devastar o governo.

Mas talvez não seja necessário.

Se Nixon só caiu após ser obrigado pela Suprema Corte a divulgar a "arma fumegante", no dia 5 de agosto de 1974, sua queda já tinha se tornado inevitável alguns meses antes, quando a gravação com a evidência cabal do crime ainda não se tornara pública.

No momento em que ele publicou as transcrições de suas conversas e deixou expostas as engrenagens sujas do poder, sua presidência tornou-se indefensável.

Como escreveu o colunista William Safire no jornal "The New York Times", em abril de 1974, "as transcrições mostram que o homem no Salão Oval é culpado de conduta imprópria a um presidente".

"A fraqueza mostrada pelo presidente ao não assumir o controle da situação e não construir uma muralha entre a Presidência e o escândalo é imperdoável", escreveu o colunista há 43 anos.

Safire não era um propagador de "fake news" nem estava a serviço de mídias golpistas. Ele havia sido assessor de Richard Nixon durante anos, escrevendo os discursos do presidente.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO, 42, é repórter especial da Folha.

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