Cineastas mulheres talentosas estão presas a filmes de besteirol masculino?

Crédito: Divulgação Gal Gadot em cena de "Mulher Maravilha", de Patty Jenkins
Gal Gadot em cena de "Mulher-Maravilha", de Patty Jenkins

PETER BART
DO DEADLINE.COM

Cinco atrizes muito bonitas aprontaram todas em 3.100 telonas dos Estados Unidos há duas semanas, mas quase ninguém percebeu. Com diretora e elenco inteiramente femininos, "A Noite É Delas" ("Rough Night"), da Sony [que estreia no Brasil em setembro], ficou num triste sétimo lugar nas bilheterias americanas (mal superando "As Aventuras do Capitão Cueca - O Filme").

Algumas pessoas passaram então a se perguntar se as cineastas mulheres não estariam desperdiçando sua força recém-adquirida reciclando comédias masculinas desgastadas. A sensibilidade feminina de gente como Nora Ephron ou Nancy Meyers estaria se perdendo na mania atual de criar e perpetuar franquias cinematográficas?

Tenho consciência de que essas questões suscitam reações fortes em meio ao turbilhão de conferências sobre o empoderamento das mulheres. Mas a divulgação intensiva de "A Noite É Delas" e "Girls Trip" (história semelhante, mas com elenco negro) justifica uma pergunta: será que uma dose de baixaria é necessária para esses filmes receberem o sinal verde? "A Noite É Delas", estrelado por Scarlett Johansson, é o primeiro filme de direção feminina e classificação R (restrita, que contém cenas de sexo, violência e drogas) em uma geração.

"As pessoas se apressam demais ao julgar comédias comandadas por mulheres", diz Lucia Aniello, que dirigiu e coescreveu "A Noite É Delas". "Elas presumem que seja apenas um remake disso ou uma versão feminina daquilo." Essas atitudes constituem um reflexo das reações negativas ao "Caça-Fantasmas" feminino, ou, mais recente, a "Snatched", fracasso de bilheteria estrelado por Amy Schumer .

Uma coisa está clara: um movimento renovado de mulheres está em curso em Hollywood e já está produzindo resultados animadores. As reivindicações de pagamento melhor e mais oportunidades são ouvidas em fórum após fórum, desde a homenagem do AFI [Instituto Americano de Filmes, na sigla em inglês] a Diane Keaton até a iniciativa Women@Fox, com um debate comandado pela nova diretora-presidente da Twentieth Century Fox Film, Stacey Snider.

Tudo isso ganhou ímpeto ainda maior com o sucesso imenso de "Mulher-Maravilha" , dirigido por Patty Jenkins. "Já estava mais do que na hora", diz Nancy Meyers, que dirigiu "Do que as Mulheres Gostam".

PALAVRÕES E MULHERES

Será que as mulheres deveriam se preocupar mais que os homens com o tom e a temática de seus filmes? Patty Jenkins evidentemente se propôs a criar uma super-heroína de quadrinhos, mas, mesmo assim, conseguiu injetar em seu filme uma sensibilidade que desencadeou um senso de empoderamento entre as espectadoras (a cena em que a Mulher-Maravilha experimenta roupas numa loja de departamentos contrabalança as obrigatórias cenas de luta carregadas de efeitos especiais).

Ao mesmo tempo em que Jenkins demonstrou que uma mulher é capaz de fazer sucesso no circuito dos filmes de super-heróis, Aniello (que trabalha com seu namorado, Paul W. Downs) mergulha no chamado território "hard-R" (ela e Downs também coescreveram a série "Broad City" , da Comedy Central).

O trailer de "A Noite É Delas" vem sendo passado nos Estados Unidos junto com o de "Girls Trip", em que cinco mulheres negras, lideradas por Queen Latifah, partem para tocar em um festival em Nova Orleans. ("Girls Trip" tem direção de Malcolm Lee, mas foi coescrito por uma mulher, Tracy Oliver.)

"As mulheres se comportam mal na vida real, e é importante mostrar a realidade, não apenas a fantasia", disse Queen Latifah nas entrevistas que deu para divulgar o filme.

"A Noite É Delas" quase exagera nas cenas que justificam sua classificação R: a cocaína circula livremente, os palavrões, idem, há uma abundância de objetos fálicos e strippers homens percorrem as cenas de fio dental, parecendo confusos e flácidos. Um dos elementos principais da trama envolve o assassinato involuntário de um dos strippers, com as garotas travando discussões estúpidas sobre como dar cabo do corpo e evitar levar a culpa pelo que aconteceu.

É verdade que várias comédias bem mais inteligentes que "A Noite É Delas" se saíram bem nas bilheterias nos últimos anos sem depender completamente do humor tingido de pornô. "Perfeita É a Mãe" ("Bad Moms"), com Mila Kunis, um filme hilário sobre uma mãe superprotetora, foi um sucesso importante de bilheteria no verão americano passado, tendo arrecadado US$ 113 milhões; uma sequência será lançada neste ano.

A comédia "Missão Madrinha de Casamento" ("Bridesmaids"), com Kristen Wiig e Maya Rudolph, arrecadou US$ 169 milhões em 2011. E Emily V. Gordon coescreveu com seu marido Kumail Nanjiani o hilário "The Big Sick", sobre os problemas de um casamento em que um dos parceiros é muçulmano, e o outro, não.

As mulheres já enfrentam uma lista tão grande de conflitos intrigantes em seu cotidiano –trabalho versus família, filhos crescidos que não saem de casa para morar sozinhos, pais idosos, chefes machistas– que é uma pena ver talento inteligente sendo desperdiçado em novas versões de gêneros cinematográficos masculinos desgastados.

Mesmo a onipresente Katy Perry anunciou na semana passada que decidiu deixar sua imagem superficial para trás. Sua libertação, anunciou, é "tanto política quanto sexual".

Seus fãs parecem ter adorado.

Tradução de CLARA ALLAIN

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