Polícia precisava matar alguém naquele dia, diz prima de Jean Charles
RESUMO Patrícia Armani da Silva, prima do brasileiro Jean Charles de Menezes, disse que a morte de seu primo foi "uma grande sacanagem". Na opinião dela, a polícia precisava matar alguém devido à pressão sobre os agentes em julho de 2005.
No dia anterior à morte de seu primo, houve três tentativas frustradas de atacar o metrô de Londres. Os atentados seriam uma reedição dos ataques de duas semanas atrás, que deixaram 52 mortos e 784 feridos.
Leandro Colon/Folhapress | ||
Patrícia Armani da Silva, prima de Jean Charles de Menezes, diz que polícia precisava matar alguém |
Patrícia diz que ela e a família não têm nada a perder com o recurso na Corte Europeia de Direitos Humanos para responsabilizar o Reino Unido pela morte. "É a última instância e os advogados falaram que a gente podia e aceitamos."
Veja abaixo o depoimento da prima do brasileiro morto há dez anos.
*
Já tive bastante mágoa, mas hoje em dia, dez anos depois, estou mais tranquila, machuca muito, mas chega uma hora em que você tem que olhar para frente, a vida continua. É claro que a gente sente aquela tristeza, porque jamais poderia ter ocorrido um negócio desse. Fica o sentimento de tristeza e saudade.
Lembro do meu último café da manhã com o Jean, morávamos juntos, conversamos sobre várias coisas e ele estava super feliz porque havia conseguido um novo trabalho de eletricista por mais seis meses, uma fiação num escritório.
Cheguei em casa na sexta (22 de julho de 2005) à noite, quando ele já estava morto. Como ele costumava às vezes não dormir em casa, pensei que estivesse na balada.
O problema é que na quinta-feira (21) ele tinha deixado a mala de ferramenta em cima da cama. No sábado (23), vi que a maletinha estava do mesmo jeito e pensei: deu merda. Aí fomos chamados para ir à polícia, avisados da morte dele, reconhecemos o corpo, e passei mal, desmaiei.
Eles [a polícia] precisavam matar alguém naquele dia, porque a pressão era muito grande por causa dos atentados do dia 7 de julho e depois do dia 21.
Foi uma grande sacanagem o que aconteceu, porque, por mais que a cidade estivesse vivendo um momento de puro horror, eles estavam lidando com a vida das pessoas, a obrigação era proteger a vida das pessoas, sobretudo a do meu primo, e eles falharam.
No inquérito, há 21 erros cometidos pela polícia. Eles seguiram o Jean desde de casa, achando que era um terrorista, o Osman Hussain [suspeito de planejar um ataque no dia anterior].
O cara morava em cima da gente, no nosso prédio. Nós morávamos na Scotia Road, número 17, e ele no 21, no bairro de Tulse Hill. Eu vejo a foto do infeliz e não me lembro de ter visto esse homem.
Na madrugada do dia 22, montaram o acampamento lá e eu saí cedo para trabalhar e não percebi nada. Há imagens no inquérito mostrando o Jean saindo de casa.
Ele andou, foi até o ponto de ônibus. Ali, já era para ter sido parado. Se fosse um terrorista querendo fazer merda, ele poderia ter escolhido o ônibus.
O maior erro foi terem deixado o Jean entrar na estação de Stockwell, porque se ele fosse realmente um terrorista, a bomba teria estourado lá embaixo e matado todo mundo.
Não sei o nome do policial que atirou, não divulgaram, mas o vi no inquérito público no momento de depor, em 2008. Como éramos família, podíamos acompanhar.
Lembro-me bem dele, é um rapaz branco, novo, acho que uns 30 e poucos anos na época. A gente estava sentado, ele viu a família, e só respondeu o que foi perguntado.
Teve um outro que chorou muito. Ele contou o que aconteceu, mas não pude ouvir porque minha tia [mãe do Jean] passou mal, e tive que acompanhá-la no banheiro.
Em junho deste ano recorremos à Corte Europeia de Direitos Humanos. É a última instância e falaram que a gente podia e aceitamos. Não temos nada a perder e a decisão vai sair num prazo de seis a nove meses.
Tudo pode acontecer, porque agora está sendo julgado num outro contexto, não só dentro do Reino Unido, mas temos o pé no chão.
Eu continuo vivendo em Londres. As autoridades nunca nos trataram mal por causa do episódio, mas com indiferença. Só gostaríamos da punição de quem atirou.
O Jean carregava documentos que mostravam que ele era brasileiro. Era muito fácil abordá-lo. Aquilo serviu para saberem só depois quem era ele porque atiraram primeiro antes de perguntar".
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis