Brasilianistas apontam estresse da democracia, mas elogiam instituições
Anna Virginia Balloussier/Folhapress | ||
Grupo de brasileiros faz manifestação em defesa da presidente Dilma Rousseff na praça Union Square, em Nova York |
A aprovação da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, neste domingo (17), representa um forte estresse para a política brasileira, avaliam acadêmicos estrangeiros ouvidos pela Folha. Para os pesquisadores entrevistados, entretanto, não se pode chamar o processo de golpe, e as instituições nacionais demonstraram solidez. No longo prazo, dizem, a democracia vai sair fortalecida.
Dario Galvão | ||
Manifestantes pró-impeachment em Boston, EUA |
O impeachment é um passo para trás da democracia brasileira, explicou o professor do Carleton College Alfred P. Montero, autor do livro "Brazilian Politics" (Política Brasileira). "Mas dar passos para trás para ajustar o caminho a ser seguido no longo prazo é algo comum em democracias", explicou.
Em sua opinião, o Brasil pode usar o processo para corrigir problemas políticos e caminhar para uma política sem fisiologismo, com maior transparência e um judiciário mais eficiente.
A avaliação dos brasilianistas não poupou os congressistas brasileiros envolvidos em escândalos de corrupção que participaram do processo de impedimento da presidente. Eles avaliam, entretanto, que é preciso separar os atores políticos das instituições.
"Mesmo sabendo que não há anjos nas instituições, o fato é que elas funcionam razoavelmente bem em resolver os conflitos da sociedade. O processo tem legitimidade, mesmo que muitos dos atores, não. Mesmo Cunha, com todos os seus problemas, seguiu as regras institucionais. Os políticos podem ser execrados, mas o processo foi correto", explicou Matthew M. Taylor, professor da American University, em Washington, DC. e autor de vários estudos sobre democracia e corrupção no Brasil.
PRECEDENTE PARLAMENTARISTA
Mesmo concordando que não tenha havido rompimento institucional, o cientista político e diretor do Instituto Brasil do King's College de Londres, Anthony Pereira, se disse preocupado com o precedente aberto pela votação do impeachment. "Sem um argumento constitucional forte, a Presidência, que já não é muito forte, fica ainda mais enfraquecida", disse.
Reprodução | ||
Site da "Al Jazeera" dá destaque à votação na Câmara sobre o impeachment da presidente Dilma |
Segundo ele o movimento pelo impeachment teve justificativas diferentes das pedaladas fiscais, motivo oficial do processo. "Dilma está sendo julgada por outros problemas. Isso talvez seja natural no julgamento, que na verdade é político. E nos leva a pensar na necessidade de uma reforma política ampla", disse.
Montero faz ressalva semelhante. "Ouvindo os votos no Congresso, a decisão parece um voto de deconfiança [mecanismo de troca de governo comum no parlamentarismo]. O julgamento é político", disse, rejeitando a ideia de que isso o torne ilegal, entretanto. "A democracia vai sobreviver."
O codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington, Mark Weisbrot, questiona esse desvio do presidencialismo. Para ele, o impeachment é um problema sério para a democracia e uma violação da Constituição. "O Brasil não tem um sistema parlamentarista. Não se pode mudar o presidente por ele ter baixa popularidade ou não ter força no Congresso", disse.
RETÓRICA DO GOLPE
A maioria dos brasilianistas ouvidos pela Folha rejeita a ideia de que o impeachment possa ser considerado um golpe de estado.
Reprodução | ||
A votação na Câmara era a manchete do site do jornal francês "Le Monde" |
"Não acho que impeachment é golpe. O processo mostra força das instituições. Tudo correu dentro da normalidade", disse Taylor.
Para Montero, não é um golpe no sentido clássico do termo. "Falar em golpe não é apropriado, pois a palavra não está no contexto certo. Não há um risco real à democracia, ao contrário do que ocorreu em 1964. Não há colapso do Estado. Não há violência política", explicou.
Para Pereira, o impeachment não é um rompimento institucional comparável ao que ocorreu em Honduras, que retirou do poder o presidente Manuel Zelaya em 2009, ou no Paraguai, onde houve a destituição de Fernando Lugo da presidência em 2012.
"A retórica do golpe é exagerada. O resto do mundo vai aceitar o processo, pois não há motivos claros para questionamentos. Pode-se reclamar dos méritos, mas a lei está sendo seguida", disse.
FUTURO DO PT
Apesar de apontarem exagero na comparação do impeachment com um golpe, os pesquisadores ouvidos pela Folha ressaltam que essa retórica vai ajudar o PT a se reerguer, e avaliam que o partido vai voltar a se fortalecer após o impacto da derrota sofrida.
Reprodução/CNN | ||
Matéria no site da CNN Internacional sobre processo de impeachment da presidente Dilma Roussef |
"A tese do golpe vai sobreviver e vai dar força ao PT", explicou Taylor.
"O uso dessa comparação vai mobilizar os partidários do PT a retomar o trabalho político", argumentou Montero. Para ele, o impeachment pode ser visto como um momento de o partido repensar seu projeto para o Brasil e reconstruir suas bases.
"Isso é bom para o PT. Na oposição, o partido pode voltar a ser uma força política importante para a democracia", avaliou.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis