Ex-aluna acusa professor de ética da Universidade de Yale de assédio
"Eu acreditava que Thomas Pogge era brilhante", diz à Folha a hondurenha Fernanda Lopez Aguilar, 27, sobre o professor de ética na Universidade Yale que acusa de assédio sexual. "Vejo agora que sua lógica é falha."
Para padrões acadêmicos, o filósofo alemão é um rock star. Dirige em Yale o Programa de Justiça Global e já deu palestra em 46 países, inclusive na conferência TED.
Aguilar, hoje advogada, não titubeou quando, em 2010, ele a convidou para ser intérprete num simpósio no Chile. No e-mail, 0h07, Pogge sugeria um albergue e avisava: "Caso se sinta confortável, é bem-vinda no meu hotel".
Ela respondeu pela manhã: achava mais prático ficarem no mesmo lugar. "Vou levar meu saco de dormir."
O que se passou no Chile, segundo Aguilar: ele avisou ao hotel que eram "o sr. e sra. Pogge". Disse que seu vestido preto era "um perigo". E que ela era "a Monica Lewinsky do seu Bill Clinton".
Certa noite, enquanto traduzia documentos, Pogge teria vindo por trás e pressionado sua "ereção" contra ela. Aguilar correu, mas, sem ter para onde ir, voltou. Ele agiu como se nada tivesse acontecido.
O acadêmico conta uma história diferente. A relação era "amigável, mas formal". Aguilar o chamava de "professor" e, depois do Chile, onde "nada aconteceu", sugeriu que usasse "Thomas".
O máximo de contato físico: "Ajudei-a com seu casaco em Valparaíso, após almoçarmos na casa de Pablo Neruda. Numa geleira, amarrei seus cadarços —estávamos com um grupo."
No voo da volta, Pogge conta que encostou a cabeça em seu colo, "com um travesseiro no meio", por sugestão dela. "Era para a gente revezar, mas dormi demais, e ela não se beneficiou do acordo."
Fora esses episódios, "não houve contato físico ou sexual, consentido ou não", diz. "Fiz o teste do polígrafo."
Em 2015, Aguilar protocolou uma queixa no Departamento de Educação americano contra Yale. Ela acusa a universidade de abafar o caso. Diz que foi pressionada a aceitar US$ 2.000 (hoje, R$ 7.200, valor de um trabalho nunca quitado que fizera para Pogge) para não insistir.
Arquivo Pessoal | ||
Fernanda Lopez Aguilar, 27, diz ter sido vítima de assédio sexual de professor de ética de Yale |
ONDA DE ESCÂNDALOS
O caso se soma a uma onda de escândalos sexuais no meio acadêmico americano.
Em março, uma professora processou a Universidade Columbia, em Nova York, por inação após um colega supostamente assediá-la.
Por oito meses, em 2014 e 2015, uma aluna trilhou o mesmo campus com um colchão de 22 kg. Batizou a performance de "Carregue Este Peso", protesto após Columbia inocentar um estudante que, segundo ela, a estuprou na moradia estudantil.
Em abril, uma universidade mórmon em Utah afastou alunas que violaram seu "Código de Honra" —ao denunciar estupros, elas confessaram uso de álcool e drogas.
Nem todas as acusações são válidas. A revista "Rolling Stone" relatou um estupro coletivo da Universidade de Virginia. O relato, falso, foi considerado a derrapada jornalística de 2014.
Pogge, que afirma ser contra relacionamentos entre docente e aluno, alega que a ex-pupila é motivada por vingança (ele teria rompido uma parceria profissional).
Também diz ser comum escritórios de advocacia forçarem acordos financeiros em casos similares. Após a denúncia, teve um ataque cardíaco e "nenhum segundo de trégua".
Aguilar, no entanto, não foi a única a reclamar de seu comportamento.
Na semana passada, a filósofa Delia Graff Fara descreveu sua "experiência desagradável" com Pogge.
Ele era professor visitante em Harvard, sua faculdade. Falavam sobre os filósofos John Rawls e Jean-Jacques Rousseau, temas de sua tese, no jantar. Cortou o assunto ao sentir a mão dele em sua coxa.
Pogge publicou em seu site uma carta na qual critica a vocação da internet para "tirar conclusões precipitadas".
Admite que seu caso, o do "homem mais velho avançando em mulheres mais novas", é um prato cheio. Na viagem ao Chile, ele tinha 56, e Aguilar, 21. "Sabemos que boatos podem ser armas no competitivo mundo acadêmico."
Procurada, a Yale não quis comentar o caso.
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