Reeleição de Daniel Ortega gera incertezas na Nicarágua
A expectativa de que o esquerdista Daniel Ortega (Frente Sandinista de Libertação Nacional) venceria de forma arrasadora a eleição presidencial na Nicarágua foi confirmada nesta segunda (7), quando números da contagem da Suprema Corte Eleitoral lhe conferiam mais de 71% dos votos. Ortega, 70, no cargo desde 2007, assumirá em janeiro seu terceiro mandato consecutivo, e quarto no total (foi presidente também entre 1985-1990).
Tal perspectiva já se desenhava desde que o mandatário expulsara a oposição do Congresso, tirara a licença do único partido não alinhado ao governo (Partido Liberal Independente) que pretendia ter candidato próprio e proibira que observadores internacionais acompanhassem o pleito.
Oswaldo Rivas - 6.nov.2016/Reuters | ||
Ao lado da mulher e vice Rosario Murillo, Daniel Ortega mostra dedo manchado com tinta após votar |
"Foi uma eleição de nicaraguenses, em que nicaraguenses votaram e nicaraguenses contaram os votos, sem forças estrangeiras interventoras", justificou Ortega, após votar, na noite do domingo (6).
A oposição, deixada de fora da disputa, contesta os números oficiais. Enquanto a Corte afirma que 65% dos 3,8 milhões de eleitores compareceram para votar, grupos como a Frente Ampla para a Democracia e o Movimento de Renovação Sandinista afirmam que a abstenção foi de cerca de 70%. Jornais oposicionistas exibiram imagens de centros de votação com poucos votantes e fotos de caixas com material eleitoral quase vazias em vários pontos do país.
Se a vitória de Ortega "já estava cantada, não havia o que fazer", nas palavras do cientista político Óscar René Vargas à Folha, a eleição nicaraguense deixa algumas questões sobre o futuro a curto e médio prazo da Nicarágua.
PODEROSA VICE
A primeira interrogante será o novo papel que assumirá sua mulher, Rosario Murillo, 65, agora vice-presidente. Popular e carismática entre os nicaraguenses de extrato social mais baixo, Murillo já era a porta-voz oficial do governo, e também exercia, de maneira informal, os cargos de ministra de relações exteriores e de chefe de gabinete. Era popularmente conhecida como "copresidente" e até comparecia a eventos diplomáticos no exterior representando Ortega.
Agora, chega à vice-presidência depois de percorrer largo caminho político. Começou na guerrilha sandinista durante a oposição ao regime autocrático dos Somoza. Tem, porém, formação muito mais sofisticada que o marido, que conheceu nos anos 1970, quando ambos estavam no exílio. Estudou advocacia e idiomas na Inglaterra e na Suíça, fala várias línguas e escreve poesia.
Voltou ao país após a derrubada de Somoza pela Revolução Sandinista (1979), foi editora de jornais engajados, atuou em instituições culturais e, desde que o marido assumiu o cargo, em 2007, está todos os dias, ao meio-dia, em cadeia nacional, dando informes aos nicaraguenses sobre os feitos do governo. Entre eles, as obras públicas e os planos de assistência social que ajudaram a fazer com que a pobreza no país caísse de 43% para 30% nos últimos anos. Estes também são anunciados por todo o país em cartazes que levam sua assinatura à mão como marca.
No programa, Murillo também telefona para mães de crianças doentes, ex-guerrilheiros sandinistas que lembram passagens da Revolução e faz discursos políticos de tom esotérico, nos quais defende que o país seja guiado por um governo que misture Deus e socialismo.
Sua marca mais evidente em Manágua, a capital, são as árvores coloridas, chamadas de "árvores da vida" que considera serem o símbolo do regime que transformou a Nicarágua, segundo ela, num país feliz, "onde todo dia é festa, como se todo dia fosse o dia de Natal". Murillo é, também, uma católica fervorosa.
Ao anunciar que ela seria sua companheira de chapa, Ortega disse que a ideia era dar mais espaço às mulheres, dentro do espírito revolucionário do sandinismo. A oposição, porém, vê no movimento apenas uma entrega de poder familiar, como se o casal estivesse inaugurando uma nova dinastia, como a dos Somoza, que governou a Nicarágua por quase 50 anos.
O fato de que, agora, Murillo terá um cargo mais importante pode marcar uma mudança de estilo de governo. Enquanto Ortega é mais calado e sisudo, Murillo pende para o populismo e tem amplo apoio feminino, principalmente entre as mulheres mais humildes.
A oposição chama a atenção, também, para o aumento do número de outros familiares no governo. Alguns dos sete filhos do casal ocupam cargos importantes, entre eles, a principal petrolífera do país e redes de meios de comunicação.
OPOSIÇÃO
A segunda interrogante que fica da votação deste domingo é como se comportará a oposição. Nos últimos meses, não surgiram vozes capazes de amalgamar os que estão contra o regime. "Quem quis se opor apenas não saiu para votar. Houve intensa convocação ao não-voto, porém local e difusa", diz René Vargas.
Como nos últimos anos Ortega aproximou-se do Exército, da Igreja e dos empresários, analistas políticos ouvidos pela Folha apostam que a oposição ao governo orteguista tem mais chances de surgir das próprias dissidências e da velha guarda do sandinismo, como o MRS (Movimento de Renovação Sandista), da esquerda independente ou de agrupações liberais como o ex-PLI e seu líder, o economista Eduardo Montealegre.
ECONOMIA
A terceira questão a ser respondida pelo casal presidencial é como lidará com a expectativa de uma desaceleração econômica. Apesar de a média de crescimento do PIB nos últimos anos ter sido de 4%, em 2017 esse panorama deve mudar. Primeiro, porque terminam as injeções de verba oferecidas pelo aliado político na região, a Venezuela, por conta de sua crise interna. Em sete anos, o regime chavista entregou um total de US$ 4 bilhões (R$ 12,8 bilhões) para os planos sociais de Ortega.
Em segundo, porque os EUA estudam revisar a ajuda que forneciam ao país, o segundo mais pobre da América Latina, caso se confirme a tendência de centralização de poder pelos Ortega-Murillo.
Sem ambas as ajudas, a Nicarágua ficará mais exposta à crise regional, à queda do preço do petróleo e à desaceleração mundial.
Suas apostas para enfrentar a situação passam pela aliança que fez com o empresariado, aprovando leis e adotando políticas neoliberais, e com a Igreja, ao brecar, no Congresso, o andamento de legislações pró-aborto e matrimônio gay.
Outra carta na manga que lhe dá esperança é o canal interoceânico que planeja, ao associar-se a uma empresa chinesa, que cruzaria o país e competiria com o Canal do Panamá.
Por fim, a esperança de Ortega é vender a investidores estrangeiros uma das qualidades da Nicarágua no contexto da América Central, que é o fato de ser um país livre das guerras de gangues e da violência que têm feito recordes de homicídios em países da região, como Honduras e El Salvador. Devido a uma política de linha-dura com as Forças Armadas, Ortega tem conseguido manter a Nicarágua, por ora, de fora dessas cifras sangrentas que assustam investidores.
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