Como a Presidência mudou Barack Obama

Crédito: Kevin Lamarque/Reuters Barack Obama acena após concluir sua última conferência de imprensa na Casa Branca, Washington
Barack Obama acena após concluir sua última conferência de imprensa na Casa Branca, Washington

JULIE HIRSCHFELD DAVIS
DO "NEW YORK TIMES"

No começo havia esperança. A queda de uma barreira racial. Um país ansioso, ávido por deixar para trás as guerras estrangeiras e as dificuldades econômicas. E os audaciosos planos de um novo presidente.

O presidente Barack Obama se posicionou no pódio montado diante da face oeste do edifício do Congresso, em 20 de janeiro de 2009, e descreveu como pequenas de espírito as pessoas que questionavam suas grandiosas ambições.

"Elas se esqueceram daquilo que este país já realizou", disse Obama, "daquilo que homens e mulheres livres podem realizar quando imaginação e um propósito comum, necessidade e coragem, se combinam".

Dias antes, Obama –filho de um homem nascido no Quênia e de uma mulher nascida no Kansas– havia visitado o Gabinete Oval, em uma Casa Branca parcialmente construída por escravos e em companhia de quatro predecessores, todos exceto ele brancos, que eram as únicas outras pessoas do planeta a compreender plenamente o peso do cargo que ele estava por assumir.

Obama começou com decisões ousadas. Assinou ordens executivas que determinavam o fechamento do que restava das prisões secretas operadas pela Agência Central de Inteligência (CIA). Ordenou o fechamento da prisão da Baía de Guantánamo.

Aos republicanos, que tinham a esperança de moderar sua agenda, Obama enviou uma mensagem seca: "Eleições tem consequências", ele disse a Eric Cantor, da Virgínia, o líder republicano na Câmara dos Deputados.

A Presidência dele seria transformadora, acreditava Obama. Ele questionou historiadores sobre a maneira pela qual antigos comandantes-em-chefe haviam aprendido a domar o Congresso em busca de grandes realizações.

"A determinação dele era a de fazer grandes coisas, da maneira que Lyndon Johnson conseguiu fazê-las nos anos 60, com isso se tornando parte do panteão de grandes presidentes progressistas", disse Douglas Brinkley, historiador da Presidência norte-americana que conversa regularmente com Obama. "Ele acreditava de verdade que seria capaz de unir o país".

Mas em lugar disso, descobriu que o país estava mais dividido que nunca.

"É uma péssima sensação", ele disse em 2010, depois de uma derrota nas eleições de meio de mandato que descreveu como "uma sova".

O agente da mudança se havia tornado símbolo do status quo que ele havia prometido derrubar. Obama havia conseguido aprovar seu projeto de reforma da saúde, mas o triunfo acarretou um pesado custo.

"Isso é algo pelo que todo presidente precisa passar", ele disse a repórteres. "Na correria de atividades, ocasionalmente perdemos de vista as maneiras pelas quais nos conectávamos aos eleitores que nos conduziram ao posto, para começar".

Os republicanos, estimulados pelo movimento conservador Tea Party, energizados por sua virulenta oposição ao plano que haviam apelidado pejorativamente de "Obamacare", prometeram não permitir que a agenda do presidente avançasse.

E com isso as aspirações dele tiveram de mudar, acompanhando a maré política.

"Creio que, em meu segundo mandato, eu vá me dedicar muito à política externa", ele disse, em tom de lástima, a um grupo de historiadores convidados a um jantar na Casa Branca em 2011.

David Kennedy, da Universidade Stanford, estava lá. "Ele se sentia travado e bloqueado, e que não seria possível avançar mais", disse o historiador. "Depois de começar com um senso de entusiasmo, esperança, expectativa e aspiração, ele passou a sentir decepção, passou a se sentir cerceado".

E as coisas não ficaram mais fáceis. Em diversas ocasiões, Obama teve de consolar um país atônito diante de repetidos casos de massacres a tiros em diversas áreas do país. Receber as famílias cujas crianças foram vítimas do massacre perpetrado por um atirador na Escola Primária Sandy Hook, em Newton, Connecticut, em dezembro de 2012, "foi o dia mais difícil de minha Presidência", ele disse mais tarde. "E não faltaram dias difíceis".

A voz de Obama mostrava raiva em 2013, depois que o Senado derrotou projetos de lei que expandiriam as restrições à venda de armas. Três anos mais tarde, ao anunciar um conjunto de modestas ações executivas para restringir a violência armada, seus olhos estavam marejados de lágrima, no Salão Leste da Casa Branca, ao relembrar as crianças de Newtown.

"Sempre que me lembro dessas crianças", ele disse, chorando abertamente, "fico furioso".

Sua política externa estava repleta de contradições. Nove dias depois de anunciar que elevaria em 30 mil soldados o contingente norte-americano estacionado no Afeganistão, Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, Noruega. E mesmo ele não se acreditava merecedor da distinção, naquele momento.

Seis anos mais tarde, Obama teve de reconhecer que a guerra no Afeganistão não terminaria antes de ele deixar o posto.

Mas o presidente pôde desfrutar da adulação internacional gerada por outros avanços: um amplo acordo sobre a mudança do clima, o mais significativo da história, negociado e assinado em Paris; o acordo nuclear com o Irã; a surpreendente abertura com relação a Cuba.

"Não cometi grandes erros", disse o ganhador do Nobel da Paz a historiadores em 2014 sobre seu legado na política externa. Isso foi antes que a facção terrorista Estado Islâmico iniciasse uma ofensiva brutal no Iraque –um novo e brutal adversário estava em ascensão.

No final, as vitórias que ele conquistou foram todas intensamente batalhadas.

"Yes, we can" [sim, podemos] foi o inspirador lema de sua campanha em 2008, mas em 2016, viajando pelo país em campanha para sua então rival e mais tarde aliada Hillary Clinton, ele muitas vezes recorria a um coloquial "vamos lá, pessoal". Obama observava com incredulidade os eleitores que estavam contemplando substitui-lo por um homem cuja ascensão política se deveu a uma falsa teoria de conspiração segundo a qual o presidente teria nascido no Quênia.

Ele sorriu friamente para as câmeras depois da eleição, trocando um aperto de mão com o presidente eleito no Gabinete Oval apenas dias depois de ter dito aos norte-americanos que era impossível confiar os códigos nucleares do país a um homem como Donald Trump.

"Ninguém precisa de esperança quando as coisas estão indo bem", ele disse a seus deprimidos jovens assessores. "Esperança é necessária quando as coisas não vão bem".

Sempre racional e contido, ele insistiu em uma transferência ordeira do poder. Isso incomodou os assessores que desejavam ver o Obama feroz da campanha de 2008.

Mas o presidente, e o país, mudaram. A esperança se viu temperada pela volatilidade da política, pela arte do possível e pela lentidão na evolução das sociedades.

"Os Estados Unidos não são uma coisa frágil", disse Obama em seu discurso de despedida em Chicago. "Mas os avanços em nossa longa jornada para a liberdade não estão garantidos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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