Descrição de chapéu The New York Times

Nobel da Paz Aung San Suu Kyi sofre pressão por massacre de minoria

RUSSELL GOLDMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM HONG KONG

Aung San Suu Kyi, a líder "de facto" de Mianmar e prêmio Nobel da Paz que no passado encarnou a luta pela democracia em seu país, foi pressionada na segunda-feira (4) a denunciar uma operação militar que levou milhares de refugiados muçulmanos e fugir de Mianmar, atravessando a fronteira do Bangladesh.

Enquanto protestos explodiam em toda a região e um colega Nobel da Paz foi ao Twitter para questionar Suu Kyi, muitos se perguntaram se o Comitê do Nobel, que lhe conferiu a honra em 1991, pode criticá-la publicamente ou até mesmo revogar o prêmio.

Protestos foram encenados na segunda-feira diante da sede do Parlamento australiano, em Canberra, contra os ataques ao grupo étnico dos rohingya, uma minoria muçulmana perseguida. Em Jacarta, na Indonésia, manifestantes queimaram fotos de Suu Kyi e jogaram uma bomba de gasolina contra a embaixada de Mianmar.

"O mundo faz silêncio em relação ao massacre dos muçulmanos rohingya", disse a jornalistas a indonésia Farida, que organizou o protesto e usa apenas um nome.

A violência mais recente em Mianmar começou em agosto, quando militantes rohingya atacaram posições militares de Mianmar, segundo eles em um esforço para prevenir mais perseguição por parte das forças de segurança mianmarenses.

Os militares responderam com "operações de limpeza", na descrição que eles próprios fizeram.

Segundo organizações de defesa dos direitos humanos, soldados destruíram centenas de casas de rohingya no Estado de Rakhine. Com isso, milhares de rohingya partiram numa viagem perigosa rumo a campos miseráveis de refugiados do outro lado da fronteira do Bangladesh.

A situação de sofrimento e perigo em que eles se encontram vem atraindo atenção e críticas crescentes de muitos pelo mundo afora, incluindo outros laureados com o Nobel da Paz.

"Venho condenando reiteradas vezes nos últimos anos esse tratamento trágico e vergonhoso", disse em post no Twitter na segunda-feira Malala Yousafzai, muçulmana paquistanesa e a mais jovem laureada com o Nobel da Paz. "Ainda aguardo para ver minha colega laureada Aung San Suu Kyi fazer o mesmo. O mundo aguarda e os muçulmanos rohingya aguardam."

No ano passado, vários laureados com o Nobel –incluindo Yousafzai, Desmond Tutu e 11 outros– assinaram carta aberta "alertando sobre o potencial genocídio".

A carta aberta e o post de Malala Yousafzai foram reiterados online por críticos de Suu Kyi, que a culparam pela crise e pediram que seu prêmio Nobel seja revogado.

Os apelos foram especialmente dolorosos em vista da história de prisioneira política de Suu Kyi. Ela passou 15 anos em prisão domiciliar depois de vencer uma eleição presidencial em 1988 cujos resultados a junta militar governante na época se negou a respeitar.

Em 2015, quando seu partido, a Liga Nacional pela Democracia, venceu uma eleição com maioria esmagadora, Suu Kyi foi nomeada conselheira do Estado, num acordo constitucional de partilha do poder. Mesmo assim, ela é impedida por lei de assumir a Presidência, e as forças armadas controlam muitos dos instrumentos de poder do Estado.

O silêncio que Suu Kyi vem guardando em relação à questão dos rohingya salta à vista. Quando pressionada por jornalistas, ela repete os argumentos oficiais dos militares, segundo os quais os rohingya vivem ilegalmente em Mianmar.

"Não, não é limpeza étnica", ela disse em 2013, numa entrevista rara sobre o tema.

Suu Kyi não é a primeira laureada com o Nobel da Paz a gerar controvérsia. Ativistas no passado já exortaram o comitê a revogar os prêmios dados a Henry Kissinger e Barack Obama. Um membro do Comitê do Nobel renunciou a seu cargo em protesto em 1994, quando o prêmio foi dividido entre os líderes israelenses Shimon Peres e Yitzhak Rabin e o líder palestino Iasser Arafat. O membro em questão, Kaare Kristiansen, descreveu

Arafat como "terrorista" e disse que ele não merecia a honra.

Formado por cidadãos noruegueses nomeados pelo Parlamento de seu país, o Comitê do Nobel nunca rescindiu um prêmio e tampouco o fará no caso de Aung San Suu Kyi, disse um de seus ex-integrantes, Gunnar Stalsett.

"Um Nobel da Paz nunca foi revogado. O Comitê não emite condenações ou censuras a laureados", disse Stalsett, ex-político e bispo que foi vice-membro do comitê em 1991, quando Suu Kyi foi laureada.

"O princípio que seguimos é que a decisão de entregar o prêmio não é uma declaração de santidade", ele explicou. "A responsabilidade do comitê termina quando a decisão foi tomada e o prêmio foi entregue".

Tradução de CLARA ALLAIN

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