Intempestividade de Donald Trump ameaça descarrilar seu governo
Harvey, Irma, Maria, Nate. Os furacões que vêm golpeando os Estados Unidos nos últimos meses não passaram por Washington, mas o fato de o presidente não estar sendo reconhecido como queria pelos esforços de resgate feitos por seu governo é um dos principais fatores por trás de outra tempestade potencialmente devastadora.
Nos últimos dias, o republicano conseguiu comprar brigas com aliados, desafetos e membros de seu próprio gabinete num ritmo que ameaça descarrilar uma administração que alguns analistas já veem como sem salvação.
Mandel Ngan - 10.out.2017/AFP | ||
O presidente dos EUA, Donald Trump, recebe o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger |
Trump trocou farpas com o senador Bob Corker, de seu próprio partido, e despertou a ira dos democratas com um novo pacote de medidas anti-imigração que tenta implementar, ameaçando as negociações em torno do Daca, programa que protege jovens trazidos aos EUA por seus pais quando ainda crianças.
Enquanto isso, sua relação conturbada com o secretário de Estado Rex Tillerson, que não nega ter chamado o presidente de "idiota", parece pegar fogo, colocando o chanceler sob risco de queda. Seria o nono desfalque do gabinete, que perdeu, por último, o secretário da Saúde, Tom Price, demitido por usar jatos particulares em viagens de trabalho a um custo de R$ 1,3 milhão ao governo.
O caso de Tillerson, que viajou à China e anunciou que estava negociando em linha direta com a ditadura de Kim Jong-un na Coreia do Norte para evitar um possível confronto militar, tem potencial ainda mais explosivo.
Na contramão do esforço diplomático de seu secretário, Trump declarou em um canal on-line que Tillerson estava desperdiçando tempo e que iria "fazer o que precisa ser feito" na região. Num jantar com lideranças das Forças Armadas, há uma semana, o presidente disse que o encontro representava "a calma antes da tempestade", eriçando comentaristas.
Se não estava falando de uma escalada de tensões com a Coreia do Norte, poderia ser uma referência à tentativa de retirar os EUA do acordo nuclear com o Irã, o que poderia fazer nos próximos dias.
Mas a comparação também casa com o que um confidente de Trump disse ao jornal "Washington Post", descrevendo o presidente como "uma chaleira que precisa liberar vapor" para não se tornar uma "panela de pressão".
Na Casa Branca, está cada vez mais nítido, segundo esse mesmo confidente, que a administração já entrou em um momento pré-explosão.
Isso também porque Trump se vê cada vez mais enfraquecido. O candidato ao Senado do Alabama que apoiou acabou perdendo para um azarão, e a desistência de Bob Corker de concorrer à reeleição também faz dele um rival de retórica afiada, chamando a Casa Branca de "uma creche para adultos".
Mesmo o ex-estrategista-chefe do presidente, Stephen Bannon, dispensado da Casa Branca depois do atentado de Charlottesville e de volta ao comando do Breitbart (site de ultradireita que vocaliza muitas das ideias de Trump), virou uma pedra no sapato.
Descontente com o governo do ex-chefe, que não consegue reformar o sistema de saúde, expandir o muro na fronteira com o México e endurecer a política migratória, Bannon jurou guerra contra a ala moderada de senadores republicanos no Congresso.
Sua estratégia, nas eleições legislativas de 2018, é tentar eleger o maior número de radicais para implantar a agenda de Trump, o que significa que até lá o presidente pode ficar de mãos atadas, diante de parlamentares que já não têm grande simpatia por ele.
Em todas as frentes, na saúde, na imigração e na chamada guerra cultural, que vai da briga com atletas por seus protestos contra a violência policial na hora do hino nacional à suspensão da proteção contra a discriminação a transgêneros no trabalho, Trump coleciona derrotas.
Sua desaprovação, segundo a aferição diária do Gallup com 1.500 pessoas, está em 36% (a margem de erro é de três pontos acima ou abaixo).
De mau humor, ele atiça a ira de seus eleitores, buscando aprovação em redes sociais com torrentes seguidas de bravatas, mas esquece que precisa do resto de Washington para governar e põe em risco uma série de votações estratégicas, entre elas sua esperada reforma tributária.
Os democratas ainda ameaçam travar o Orçamento para buscar um arranjo mais flexível nas leis anti-imigração, em especial a proteção a cerca de 800 mil jovens por meio do Daca, que, sem acordo, expira em março de 2018.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis