Descrição de chapéu The New York Times

Congresso dos EUA é pressionado a divulgar acordos em casos de assédio

SHERYL GAY STOLBERG
YAMICHE ALCINDOR
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Os congressistas americanos estão enfrentando uma pressão crescente para pôr fim à cultura de segredo sobre assédio sexual no Capitólio. Ao voltar do recesso, membros dos dois partidos pediram que o Congresso reformule sua condução das denúncias de comportamento indevido e desmascare os legisladores que pagaram acordos judiciais usando dinheiro do contribuinte.

No domingo (26), o debate sobre assédio sexual em curso custou o cargo, pelo menos temporariamente, de um legislador que pagou por um acordo judicial —o deputado John Conyers Jr., de Michigan, que era o principal membro democrata na Comissão de Justiça da Câmara.

Conyers, 88, o mais antigo membro a serviço da Câmara, anunciou que estava se afastando enquanto a Comissão de Ética da Câmara investiga denúncias de que ele assediou sexualmente assessoras.

E do outro lado do Capitólio o senador democrata Al Franken, de Minnesota, que foi acusado de assediar várias mulheres, disse a um jornal de seu Estado que voltará a trabalhar na segunda-feira sentindo-se "embaraçado e envergonhado".

Os anúncios feitos por Conyers e Franken ocorreram enquanto democratas e republicanos iam aos programas de entrevistas na televisão na manhã de domingo para pedirem maior transparência na avaliação e julgamento das denúncias de assédio. Segundo uma lei de 1995, as queixas são tratadas confidencialmente. Os advogados da Câmara e do Senado solicitaram que os acordos também sejam mantidos em sigilo.

"Tudo isto, por mais difícil que seja em alguns aspectos para nossa sociedade, é realmente importante porque eu acho que acabará mudando a atitude das pessoas e mudando nossa cultura", disse o senador republicano Rob Portman, de Ohio, no programa "Meet the Press" da NBC. "Por isso estou feliz que esteja sendo discutido. Acho que deveria ser mais transparente. Certamente acho que se você aceita dinheiro dos contribuintes para um acordo deveria ser transparente."

A Câmara deverá aprovar nesta semana uma resolução bipartidária exigindo que todos os membros e suas equipes participem de treinamento antiassédio e antidiscriminação; o Senado já adotou tal resolução. A tarefa mais difícil será aprovar uma lei que reformule o modo como as denúncias de assédio sexual são tratadas.

Na Câmara, um grupo de legisladores bipartidário, liderado pelas deputadas democrata Jackie Speier, da Califórnia, e a republicana Barbara Comstock, da Virgínia, está pressionando por legislação que exigiria que as denúncias sejam tratadas em público. No Senado, a democrata Kirstin Gillibrand, de Nova York, promoveu uma lei semelhante.

"Foi um sistema montado em 1995 para proteger o assediador", disse Speier no programa da ABC "This Week", e acrescentou: "Nós dizemos tolerância zero. Mas não acredito que cumprimos o que dizemos".

Uma grande questão, entretanto, é se a lei Speier-Comstock deve ser aplicada de forma retroativa, o que significa que os que pagaram acordos no passado seriam identificados hoje. A legislação cobriria qualquer acordo feito desde o início deste ano.

Enquanto Portman disse que apoiaria divulgações retroativas, outros, como a deputada Nancy Pelosi, líder democrata na Câmara, foram mais cautelosos, dizendo que desmascarar os legisladores poderia revelar a identidade das vítimas que queiram permanecer anônimas.

"Todos esse acordos de não divulgação têm de sumir", disse Pelosi em "Meet the Press". Mas, disse ela, "se a vítima quiser ficar anônima, pode ficar".

No caso de Conyers, a advogada Lisa Bloom, que anunciou no domingo estar representando a mulher que apresentou queixa contra ele, disse que um acordo de confidencialidade impedia a mulher de contar seu lado da história. Bloom pediu que Conyers libere sua cliente do acordo para que ela possa falar publicamente.

Notícias do acordo de Conyers foram relatadas na semana passada pelo site BuzzFeed News, que publicou documentos mostrando que ele tinha feito um acordo em 2015 com uma ex-funcionária que disse ter sido demitida porque rejeitou suas propostas sexuais. O site de notícias disse que recebeu documentos sobre o caso de Mike Cernovich, um comentarista on-line de direita.

O BuzzFeed desde então relatou uma segunda mulher que também acusou Conyers de assédio sexual.

"Eu nego essas denúncias, muitas das quais foram levantadas por documentos supostamente pagos por um blogueiro da direita alternativa", disse Conyers em um comunicado no domingo. "Eu espero realmente me justificar e à minha família diante da Comissão de Ética da Câmara."

Conyers disse que "gostaria muito de continuar como membro destacado", mas tinha "de acreditar que minha presença como membro destacado da comissão não serviria a esses esforços enquanto estiver pendente a investigação da Comissão de Ética".

Seu advogado, Arnold Reed, disse em uma entrevista por telefone no domingo que Conyers levou vários dias para decidir sua saída da comissão porque não queria tomar uma medida "sacada da manga". Conyers falou com vários membros da família e deliberou durante o feriado de Ação de Graças antes de decidir que as denúncias tinham se tornado uma perturbação excessiva, segundo o advogado.

Um assessor democrata graduado na Câmara disse que a decisão veio após dias de esforços de Pelosi, que estava trabalhando com Conyers para encontrar uma maneira de ele se afastar graciosamente. Pelosi sugeriu isso no "Meet the Press", onde disse, antes do anúncio de Conyers, que esperava vê-lo "fazer o que é certo".

A entrevista mostrou a posição delicada em que está Pelosi. Ela não quis dizer que Conyers deveria renunciar, chamando-o de "ícone de nosso país" e que tinha feito "muito para proteger as mulheres". Mais tarde, Pelosi foi criticada nas redes sociais por esses comentários.

Na noite de domingo, 12 mulheres que já trabalharam para Conyers divulgaram uma declaração em seu apoio. "Nossa experiência com o senhor Conyers foi muito diferente da imagem dele que está sendo retratada na mídia", disseram as mulheres, acrescentando que ele foi "respeitoso" e "nos tratou como profissionais".

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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